Maria Flor voltou para casa, depois de rodar o mundo.
Não fez como Dorothy, não era o caso de não haver lugar melhor do que o lar.
Ela me ligou, disse que não precisava me ver, mas gostaria muito.
Sei que todos pensam que ela me deve desculpas por ter me deixado depois daquele trauma.
Mas se não fosse a cadeira-de-rodas, eu teria feito o mesmo.
domingo, maio 30, 2004
sábado, maio 22, 2004
Essa frase dita, recentemente, pelo cineasta bósnio Emir Kusturica pode parecer estranha e descontextualizada. Mas trata-se de uma ótima análise da relação atual entre o cinema e a vida real. Na década de 1940 foi idealizada a utopia do cinema-total, uma cinematografia capaz de projetar qualquer tipo de estímulo sensorial, não apenas visuais e auditivos, veiculada em qualquer lugar. O crítico francês André Bazin afirmou que o mito diretor da invenção do cinema era o realismo integral, a capacidade da representação tornar-se "perfeita". Esta idéia chegou a ser desenvolvida, não de um ponto de vista material, mas de um ponto de vista estético e comportamental."Fico espantado pelo fato de o cinema não ser maior do que a vida, como era em Hollywood. Aparentemente, a vida se tornou maior que o cinema."
Vários autores se centraram no fato de o cinema ter se tornado tão abrangente no dia a dia das pessoas, mesmo que elas nem fossem às salas de projeção, que a vida teria ficado em segundo plano. O ponto central dessas análises focava justamente na relação entre o cinema hollywoodiano e a sociedade americana. Mas parece realmente que a vida está dando o troco. Uma ação sintomática disto tudo foi posta em prática com a premiação maior do Festival de Cannes, a Palma de Ouro, sendo entregue ao cineasta Michael Moore pelo documentário Fahrenheit 9/11, sobre a política externa do governo Bush após os atentados à Nova York.
Não é tanto o fato de o mais respeitado festival de cinema do mundo conceder a glória a um filme documentário tão atual, nem de achar que o filme de Moore é um cinema menor, próximo a uma reportagem (eu nem vi o filme para dizer qualquer coisa), mas é, antes, a questão de que a realidade vem pregando peças naqueles que a esqueceram ou ignoraram, derrubando a sensação de que a vida era regida pela lógica de um filme. E o onze de setembro é uma desses atos, talvez o maior deles, da vida mostrando-se monumental, irreversivelmente maior do que qualquer imagem criada pelo cinema. Quantas pessoas não levaram tempo para cair em si sobre a natureza daquelas imagens exibidas ao vivo pela TV e depois disso puderam ter uma dimensão mais acertada do incidente? É isto e a violência que não consegue mais ficar escondida por trás dos cartões postais do Rio de Janeiro, e a difícil construção de imagens vitoriosas no Iraque, e tantas outras coisas que não se escondem mais pelas aparências.
Hoje, com tantas bugigangas digitais de captura de imagem, fica realmente difícil da vida se dissociar das suas representações imagéticas. Mas isso não significa uma derrota da realidade, nem a aplicação da tese do cinema-total. Pelo contrário, ao mostrar, ensinar e dar a possibilidade de qualquer pessoa fazer representações imagéticas e difundi-las das mais várias formas, não é o cinema que vai tomando canto de todos os níveis da vida, mas é esta que termina por dominá-lo e torná-lo apenas mais um dos seus aspectos, usa-o para impor-se sobre ele. Destruindo o sonho de um cinema maior que a vida.
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