quarta-feira, outubro 30, 2002

Tudo isso é um simulacro. Desde as questões mais básicas; o próprio título, por exemplo, tenta convencer de que o que há aqui é uma conversa quando na verdade não existe nem mesmo um interlocutor centrado; até às questões mais complexas, como o conteúdo: muitas das coisas ditas aqui servem para marcar posições e muitas vezes são ditas para mostras posições divergentes, simulando antagonismos.

Ora, por que insistir na “ausência” de design, quando tudo que isto que provar é um pretenso desprezo pelo próprio design, voltando-se para uma estética minimalista que só serve para realçar a performatividade visual? Tudo é um simulacro. Até esta confissão. O que quero exatamente com isso? Desacreditar o que escrevo aqui? Claro que não! Quero salientar – mascarar cairia melhor – a importância que dou ao que publico ao longo deste tempo.

Não. Isto não é uma crise. E se fosse só serviria para esconder o que ocorre de verdade. Mas não trato aqui da realidade? Sim, diria prontamente. Mas não simplesmente da realidade, antes de uma hiper-realidade. Algo auto-referente e auto-consciente, que acontece de acordo com os efeitos que pretende provocar.

Não posso culpar qualquer pessoa por se sentir traída depois disso tudo. Mas, pensemos e sejamos sinceros, não é também um simulacro o fato de vir ler o que ‘exponho’ aqui? Minhas opiniões e meu cotidiano não teriam tanta atenção numa perspectiva meramente real. Mas, publicados aqui, ganham um ar sofisticado – da derivação de sofisma. Este é o acordo, ou o simulacro, em torno das verdade não- espontâneas colocadas aqui.

Alguém sabe o que Alice encontrou através do espelho?

sábado, outubro 26, 2002

Eu não sei se tenho que parar de procurar o meu lugar ou parar de ir a lugares onde não deveria estar por causa de alguma força maior da natureza. Estou com símbolo do fluor (F) estampado no me pulso esquerdo. Sinto-me como um dentifricio.

quarta-feira, outubro 23, 2002

A vida na superfície

Tem uma questão muito simples sobre a existência humana: vivemos na superfície. O ser humano não pode viver debaixo da terra nem aguenta grande profundidade marítimas. O que resta é a superfície. Dessa forma, fazendo uma analogia extremamente simplória, parece teimosia o desejo que as pessoas têm de serem profundas.

Ontem eu assisti um filme chamado Prova Final, que é extremamente óbvio e por isso mesmo vou logo revelando o final, a galega novata é a rainha dos aliens que querem dominar a cidade. E a questão aqui não são os méritos ou deméritos do filme (logo de início da pra sacar que o filme não é lá grande coisa, ou seja, é sincero; caso alguém esteja procurando isso, lamento dizer que é o mesmo que mandar o sapo voar: se ele não voa não é culpa dele). A questão aqui são as coisas óbvias que as pessoas fingem não ver pra dar-lhes um significado profundo. É preciso encarar a realidade, todos somos personagens sem nenhuma profundidade, extremamente caricatos. Pensar que só por sofrer se tornar um pessoa especial, profunda, cheia de conflitos é um consolo incrível, mas é só isso. As pessoas esquecem que vêem as outras como personagens, e também são vistas como tais. Se são multifacetados, se tomam atitudes impressionantes, tudo faz parte do mesmo espetáculo. Eu duvido da pessoa que não consiga se definir em uma frase. Porque isso é que diz tudo, a profundidade, que pode até existir, só faz sentido num ambiente extremamente pessoal, praticamente solitário. Na vida social somos só esses personagens caricatos. Ao menos cada um pode fazer sua própria caricatura, o que torna a vida um pouco mais irônica.

A única pessoa que sabia os desejos escondido no lado escuro do coração humano era O Sombra, um personagem caricato.

segunda-feira, outubro 21, 2002

Tem certas coisas que acontecem e quase mudam a vida da gente. Outras não mudam, mas também nem precisavam. Rolou um dia desses o show do Los Hermanos (como muitos já devem ter sabido pelos comentários das pessoas) e eu fui. O show foi muito bom. O clima estava bem legal. Coisas que não se vê com muita freqüencia: fila na entrada, cambistas vendendo o ingresso pelo triplo do preço, muita gente sem conseguir comprar, público bastante receptivo e uma banda que parecia surpresa com a resposta. Já fui a show de quase tudo nesse mundo. Esse foi especial pela proximidade entre banda e platéia, e não digo só pele palco ser baixo. Os caras são de uma simplicidade incrível. E fazem o que se costuma chamar de "boa música". Logo que o show começou, era de impressionar ouvir, ver o público cantando A Flor. Uma espécie de excitação que dava pra sentir antes do show começar, ficou visível com a movimentação do público em direção ao palco. Claro que não tive uma visão global do show. Até porque preferi também ficar perto do palgo, mas sei que ficou gente nas arquibancadas do armazém - achei muito legal as arquibancadas, davam um aspecto de show de arena e de programa de auditório ao mesmo tempo. Estando na arquibancada ou na pista, perto ou longe do palco, dava para ver pessoas entusiasmadas sem a preocupação de esconder esse entusiasmo. É interessante pensar que um monte de gente dividiu esse momento. Claro! O show em si foi ótimo. Mas além de ouvir Sentimental de uma forma tão intensa (eu até pedi obrigado depois, mas não sei se a banda escutou), lembrar daquelas pessoas vivendo seus momentos e dividindo-o com os demais. Muitas nem se conhecem, e quando (o mundo dá provas que é bem menor do que costumavam pensar ser meus pais) se conhecerem pode sem lembrar deste momento... Mais ou menos isso.

Ah! O show foi antes do meu inferno astral.

domingo, outubro 20, 2002

Sobre um sorriso cativante
...

terça-feira, outubro 15, 2002

Notas sobre um inferno astral (para quem acredita) ou Notas sobre o tempo morto no trabalho
Ticket de viagem. Assinaturas de dois jornais de circulação. Canhotos de ingressos do Multiplex. Cartões postais. Computador velho. TV idem. Discos de vinil, CDs, K7. Roupas na maioria velhas (mas vestem bem). Caixa de chocolate exporádica. Trabalho chato. Salário... pff. Amor (por falta de um nome melhor) impossível. Livros lidos. Livros relidos. Livros na metade. Livros a ler. Notas de estudo esperando serem digitadas. Máquina fotográfica. Um único porta-retratos. Priscila, Arthur e Júlia desfocados. Comprovantes de pagamentos. Correspondência bancária. Pendência na Receite Federal. Adolescência perdida. Revistas antigas. Trompete dos sonhos (só nos sonhos). Teclado que não toca. Baixo. Amp. Janela que dá pra outra janela. Toalha, lençol, cama, travisseiro. Agenda com o número dos amigos. Celular. Esperança de que alguém ligue. Conexão para internet. Roteiros escritos. Roteiro reescritos. Roteiros abandonados. Coisas a fazer. Certezas. Incertezas. Letras. Palavras. Notas. Músicas. E uma voz melancólica perfeita para cantas as alegrias da vida. (continua)

domingo, outubro 13, 2002

Ontem foi comemorado o dia das crianças, sei lá porque se comemora isso, mas deve ser importante mesmo. Todo mundo foi criança e tal. Criança sempre quer ser algo quando crescer. Crianças sempre perseguem os adultos nos quais se tornaram. Lembro que quando era pequeno eu lia uma revista chamada Alegria sobre um palhacinho que morava num circo e tal. Não era exatamente uma revista em quadrinhos. Tinha mais coisas de atividades e tal: contos, passatempos, coisinhas para recortar e colocar pela casa (se bem que depois surgiu uma revista em quadrinhos com o mesmo personagem e sua turma e eu recebia as duas porque minha mãe fez uma assinatura pra mim).Lembro muito de um dos contos que um dia foi editado nesta publicação: um menino que deixava tudo para depois. O personagem sempre dizia que iria fazer as coisas mais maravilhosas, mas sempre deixava tudo para depois. No final ele acabava não fazendo nada e o tempo passava e passava... A impressão dada era de que ele não era capaz de fazer essas coisas. Acho meio foda essas histórias infantis, porque elas até falam a verdade, mas não falam todas as verdades. Tipo... as pessoas sempre querem fazer o melhor, mas nem todos podem fazer coisas maravilhosas. E nem sempre por falta de capacidade, ou preguiça, ou acomodação... Sempre mostram como a gente pode ganhar tudo. Mas não dizem sobre o direito de perder. Porque perder ensina, é verdade. Mas o que perdeu-se está perdido para sempre. Algo muito próximo e parecido pode até aparecer, mas nunca a mesma coisa. Então, às vezes fico pensando nesse menino, capaz de fazer as coisas mais maravilhosas do mundo, que, por não ter feito, foi transformado num espécie de exemplo para os demais. Alguém já pensou como isso devia ser difícil para ele? Como seria a visão dele, se ele contasse a história. Pois prefiriram torná-lo um perdedor por opção própria quando as coisas são bem mais complexas do que isso...

Para resumir, não consigo lembrar disso sem me sentir enganado pela revista. Enganado porque nunca deixaram o cara se explicar, ou até mesmo se arrepender...

Feliz dia das crianças! (com atraso)

Mas um momento Coisas legais que alguém disse para não o trabalho de dizer eu mesmo: "Por isso eu vou. Mas não me peça pra amar outra mulher que não você."

quinta-feira, outubro 03, 2002

Sobre esperar

Ao se aproximar do ponto, eis que avista o ônibus que não vai parar além do lugar indicado. Mesmo que corresse não conseguiria alcança-lo. Resta o consolo de que o próximo vai passar...
À noite, sentado no meio-fio, continua esperando. Dessa vez, não há garantias, tudo se baseia em um aviso, uma espécie de acordo que não tem obrigação de ser cumprido. Diante da situação, enfim percebe o perigo que estar sentado tão próximo a pista. Em meio ao vácuo deixado pelos carros em alta velocidade, a certeza de estar se arriscando por algo sem indicativos de concretização. Mas continua lá, vendo a vida passar em flashes de luz e barulho dos motores. Continua correndo o risco, na espera de algo que não sabe bem o que é. Tivesse certo de algo, não estaria mais ali. Tudo continua insistentemente seguindo adiante, teimando em não parar. A realidade intrínseca da espera consiste no paradoxo de parar, enquanto tudo é movimento. Sem movimento não haveria a espera. A partir daí o mundo ganha um brilho húmido e o desespero e a sensação de impotência diante do todo-movimento cresce surda entre a eloquente falta de conteúdo do discurso alheio, de máquinas, seres e ambientes. Sentado à beira do caminho, queixo sobre um volume de capa vermelha repousdo nos braços apoiados em cima dos joelhos curvados, um som eletrônico avisa a aproximação. O mundo não parece ter mais sentido, apesar disto. O carro para próximo ao meio-fio. Abre a porta e entra sentando-se no banco de trás. E o carro vai embora...

terça-feira, outubro 01, 2002

Em Todos dizem, a autora, Carol, fez uma observação de uma coisa interessante: a lei das compensações. O raciocínio começou com uma frase preconceituosa sobre pessoas bonitas serem feias (uma coisa compensa a outra), mas pode ser desenvolvido até atingir os mais distantes recônditos da natureza humana.

E com o brilhantismo de um pensamento tão simples, tudo pareceu bem mais claro. Eu sou capaz de fazer coisas que vão de medianas a ótimas, podendo atingir o excepcional sem me dedicar tanto quanto deveria, e acho que não me dedico por preguiça. Então essa é a lei da compensação, se eu não tivesse preguiça faria cada vez mais coisas mais sensacionais. Talvez a nossa vã filosofia nem possa imaginar o quê. Se para tantas coisinhas que eu simplesmente faço sou capaz de enternecer até os corações mais hostis a minha pessoa, como seria se eu fizesse tudo com um pouco mais de esforço? Eu seria a pessoa mais amada do mundo todo.

Eu sou a única pessoa capaz de dançar ao som de A love supreme e com afinco eu seria mais leve do que as notas de Coltrane. Eu poderia caminhar na ar seu se eu quisesse. Eu seria responsável por todos tomarem sorvete de pistache. Aliás, eu daria ao sorvete de pistache seu sabor. Eu faria às águas dos rios pararem. Os pássaros cantariam como me conviesse. Eu conseguiria dar ao por do sol uma paleta de cores tão variadas e belas que a aurora boreal seria só mais fenômeno menor. Não haveria montanha muito alta para eu subir, nem deserto muito longo para cruzar. Eu que daria a lua a carga melancólica que nela vêem os jovens solitários. Os romances começariam por alguma atitude minha. Eu que daria às coisas boas o que elas têm de prazerosas. Falaria coisas como a mais suave sílaba de cantada por Chet em Almost Blue. Seria capaz de fazer estrelas brilharem e brilharem para quem eu quisesse. Minha gargalhada seria a resposta para qualquer dúvida. Eu seria a voz de cartola, os traços de Munch e a seqüências de Kubrick. Os diálogos dos filmes de Woody Allen seriam sempre algo que eu diria. Seria a cacofonia das festas de fim de ano, as luzes dos fogos de São João. Seria aquele momento de alegria a qual todos têm direito pelo menos uma vez por semana. Seria o acordar despreocupado do Sábado e a certeza de dever cumprido ao fim de qualquer tarefa. Seria todas as letras e parte de todos os nomes que existem. Seria a felicidade daquela que eu amo. Seria a estrada dos tijolos amarelos. Seria Através do espelho e o que Alice acho por lá. Seria a primeira folha de um livro de Camus e o sentimento depois da última frase. Seria um poema de Bandeira. Teria música tocando sempre e a chuva pararia de repente e começaria de novo quando eu quisesse...

Mas a lei da compensação não me fez uma pessoa tão dedicada assim.