terça-feira, outubro 01, 2002

Em Todos dizem, a autora, Carol, fez uma observação de uma coisa interessante: a lei das compensações. O raciocínio começou com uma frase preconceituosa sobre pessoas bonitas serem feias (uma coisa compensa a outra), mas pode ser desenvolvido até atingir os mais distantes recônditos da natureza humana.

E com o brilhantismo de um pensamento tão simples, tudo pareceu bem mais claro. Eu sou capaz de fazer coisas que vão de medianas a ótimas, podendo atingir o excepcional sem me dedicar tanto quanto deveria, e acho que não me dedico por preguiça. Então essa é a lei da compensação, se eu não tivesse preguiça faria cada vez mais coisas mais sensacionais. Talvez a nossa vã filosofia nem possa imaginar o quê. Se para tantas coisinhas que eu simplesmente faço sou capaz de enternecer até os corações mais hostis a minha pessoa, como seria se eu fizesse tudo com um pouco mais de esforço? Eu seria a pessoa mais amada do mundo todo.

Eu sou a única pessoa capaz de dançar ao som de A love supreme e com afinco eu seria mais leve do que as notas de Coltrane. Eu poderia caminhar na ar seu se eu quisesse. Eu seria responsável por todos tomarem sorvete de pistache. Aliás, eu daria ao sorvete de pistache seu sabor. Eu faria às águas dos rios pararem. Os pássaros cantariam como me conviesse. Eu conseguiria dar ao por do sol uma paleta de cores tão variadas e belas que a aurora boreal seria só mais fenômeno menor. Não haveria montanha muito alta para eu subir, nem deserto muito longo para cruzar. Eu que daria a lua a carga melancólica que nela vêem os jovens solitários. Os romances começariam por alguma atitude minha. Eu que daria às coisas boas o que elas têm de prazerosas. Falaria coisas como a mais suave sílaba de cantada por Chet em Almost Blue. Seria capaz de fazer estrelas brilharem e brilharem para quem eu quisesse. Minha gargalhada seria a resposta para qualquer dúvida. Eu seria a voz de cartola, os traços de Munch e a seqüências de Kubrick. Os diálogos dos filmes de Woody Allen seriam sempre algo que eu diria. Seria a cacofonia das festas de fim de ano, as luzes dos fogos de São João. Seria aquele momento de alegria a qual todos têm direito pelo menos uma vez por semana. Seria o acordar despreocupado do Sábado e a certeza de dever cumprido ao fim de qualquer tarefa. Seria todas as letras e parte de todos os nomes que existem. Seria a felicidade daquela que eu amo. Seria a estrada dos tijolos amarelos. Seria Através do espelho e o que Alice acho por lá. Seria a primeira folha de um livro de Camus e o sentimento depois da última frase. Seria um poema de Bandeira. Teria música tocando sempre e a chuva pararia de repente e começaria de novo quando eu quisesse...

Mas a lei da compensação não me fez uma pessoa tão dedicada assim.

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