Oito anos atrás eu escrevia uma monografia para o encerramento do meu curso de comunicação social, o tema do trabalho era voltado para o cinema e uma certa cultura adolescente característica dos anos de 1990. Em uma parte do trabalho eu analisei nove filmes divididos em três tópicos. O cinema como linguagem não era a ferramenta central para análise, porque eu me preocupei mais com o cinema como prática social e os movimentos dos quais ele faz parte. Acho que fazia sentido eu pegar esses objetos em um momento em que eu estava ainda no limbo, não me sentia um adulto ainda e certamente não era mais adolescente. Agora, já me descobri adulto, tenho título de mestre, escrevi roteiros para filme (dos quais apenas dois foram filmados, é verdade). E, em termos de observação, tenho me interessado mais pelo cinema como linguagem, embora não tenha me afastado do cinema como prática social.
Nos últimos meses vi três filmes com temática claramente adolescente, e não é raro esse tipo de filme me interessar. A diferença está no fato desses filmes terem me impressionado por conta do cinema que eles mostram. Às vezes nas imagens em si, às vezes nas narrativas e personagens que nos apresentam. Contar história através de imagens audiovisuais, simplificando, é isso do que trata o cinema...
Superbad é uma típica comédia americana voltada para adolescentes. Temos uma high-school, personagens tentando faturar nos últimos dias antes da formatura, enquanto se preparam para ir para a faculdade. Mas tem algo mais nessa típica comédia. Existe uma história e seus personagens. Um bem-sucedido exercício de cinema pessoal. Algo tocante e muito engraçado. A cuidadosa construção dos personagens nos apresentam dois amigos prestes a se separarem, nos apresenta também um terceiro que é um dos personagens mais comicamente icônicos dessa década. O desenrolar da narrativa mostra uma aventura noite a dentro, onde esses três personagens saem em busca de todas as aventuras que não puderam ter em todos os anos do colegial.
Com a cara mais de um típico filme independente, Juno carrega um certo estigma daquele filme de legalzinho do qual todo mundo gosta. Mas, no fim de tudo, é exatamente sobre essa convergência de que trata essa história de uma adolescente descolada e freak que engravida e decide dar a criança para um casal certinho adotar. Logo de cara o filme mostra essa menina que tem sempre um comentário irônico e espirituoso para qualquer ocasião. E ela está grávida do seu melhor amigo, aquele tipo de gente que vive num limbo, não é exatamente um loser, mas certamente não é alguém popular, embora seja um dos atletas do seu colégio. E ela vai conhecer os futuros pais do seu filho, um casal que mora em um bairro rico, a mulher é a típica executiva com seus livros de auto-ajuda, ele é um bem-sucedido compositor de jingles de publicidade, ainda que se sinta frustrado como sabemos mais adiante. E é justamente nesse momento em que o filme parece se dividir entre as caricaturas dos descolados e as caricaturas dos caretas, que história aponta para essa convergência. Uma certa abertura para os seres humanos que existem por trás desses códigos, e que por serem pessoas e complexas, podem se entender.
O outro filme é o típico programa dessas mostras de filmes. Algo que pode ser chamado de cinema de autor, filme de arte, ou um programa muito chato. O fato é que Paranoid Park, é um filme com uma trama simples, personagens igualmente adolescentes e que até fazem parte dos estereótipos das comédias adolescentes (ele é skatista, tem uma namordada líder de torcida e tem uma desses meninas estranhas que tenta se aproximar dele). A história é simples, mas a forma como ela é narrada não se preocupa tanto com os acontecimentos, mas com os sentimentos, as emoções. São planos cuidadosos, uma fotografia bela que nos abrem uma fresta para a sensação tão de um adolescente que fez algo errado. Em vários graus diferentes, qualquer pessoa pode já ter passado por uma situação do tipo, em que as coisas parecem não mais se encaixar e sua vida claramente não vai mais voltar para o lugar.
E são três filmes bem diferentes. Mas com tantas coisas em comum. Basicamente, estão inseridas no mesmo universo. A cena em que o skatista e sua namorada têm a primeira relação sexual que segue a reação entusiasmada da líder de torcida, por exemplo, poderia fazer parte de qualquer um dos filmes (inclusive, não ficaria muito deslocada em um American Pie da vida). Mas o que une ainda mais os filmes, além dos adolescentes americanos que eles retratam, é a relação entre as pessoas. Mais do que isso, é um sentimento forte que as une e as ajuda e as tornam especiais entre si.
Superbad aponta claramente para isso com os dois amigos que sempre foram vistos como uma única entidade, que não conseguem nem esperar alguns minutos para conversarem e usam ligações de celular para encurtar qualquer possível distância. Eles tentam se convencer de que a separação eminente, representada pelo fim da high-school não vai ser nada demais. Tentam se convencer de quem vão tentar se divertirem naquela noite para poderem pegar as garotas que tanto os fascinam, mas fica claro que fazem isso para poderem ter algo para guardar. E no fim da noite, os dois estão mais uma vez juntos e agora não se preocupam mais em esconder o sentimento. Que de fato é amor. Na última seqüência, em uma conversa com uma certa tensão hormonal, fica a certeza de que os dois vão poder curtir o verão ao lado das garotas que descobriram respeitar tanto, mas a última imagem mostra a separação inevitável. É uma imagem carregada de emoção e sentimento, mas de uma forma tão sutil e sincera que às vezes deixa dúvida de ser mesmo parte de uma “típica comédia adolescente”.
Juno é uma garota que foi abandonada pela mãe, e agora busca uma boa família para a criança que espera. Ao longo do filme vemos seus movimentos de aproximação e afastamento das pessoas. Primeiro se afasta do seu melhor amigo, de quem está grávida devido ao uma noite em que ela decide experimentar o sexo com ele. Depois se aproxima do futuro pai adotivo da criança, pois os dois parecem dividir os mesmos códigos e fazer parte do mesmo mundo onde discutir discos de rock e filmes de terror fazem todo o sentido. E em seguida existe o rompimento entre os dois, pois a decisão dele de se separar da mulher parece abalar a certeza de Juno de ter uma família estruturada para seu filho. Talvez por culpa de estar fazendo com a criança o mesmo que sua mãe fez consigo, a menina questiona seu próprio comportamento, para enfim dar um sinal de entendimento com a futura mãe do seu filho. São duas mulheres diferentes. Não dividem os mesmo códigos, certamente não fazem parte do mesmo mundo. Mas existe algo entre as duas que precisa ir adiante. Daí a beleza existente na cena em que Juno a encoraja em sentir a criança em sua barriga. Não se tratam de duas amigas, mas de duas pessoas que nutrem um sentimento semelhante para uma criança que vai nascer, e ambas se esforçam ao máximo para que essa experiência seja e melhor possível para os três. Ao longo do filme, Juno ainda pode contar com sua melhor amiga, e ainda se aproxima da mulher do seu pai, sua referência materna, a mulher que a criou e que passa a lhe dar apoio. E antes do fim, Juno ainda descobre e assume seu amor pelo melhor amigo. O cara mais legal do mundo e que nem se esforça para isso, ainda que ele reconheça se esforçar tanto.
Já o personagem principal de Paranoid Park, parece estar sozinho no mundo, torturado pelo segredo que não divide nem com sua namorada preocupada com outros assuntos, nem com seu amigo impressionado e excitado com a morte de um zelador dos trilhos de trem, justamente o episódio que atormenta seu companheiro de skate. Nem os seus pais, nem seu irmão mais novo, muito menos o policial gente boa, que realmente parece interessado em ajudar, parecem fazer o garoto voltar a se sentir parte desse mundo. E essa solidão parece sempre sofrer a interferência da garota esquisita que tenta se aproximar dele, sempre sem sucesso. O que parece ser interferência se mostra uma bela forma de demonstrar preocupação para com o próximo. Ela não lhe pede para contar o seu segredo. Nem impõe qualquer necessidade de aproximação ou de fazer parte da sua vida. Ela apenas demonstra que está interessada em ajudá-lo, independente de se ele iram ou não manter algum tipo de relacionamento. E ele se abre para ela, sem ter a necessidade de lhe contar seu segredo. É uma contida declaração de amor. Um desejo sincero de que alguém possa se sentir menos sozinho.
sábado, maio 03, 2008
sobre humanismo e filmes adolescentes
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