quinta-feira, março 18, 2004

Às vezes dá a impressão de que Norah Jones poderia ter sido minha colega de turma no 2º grau (hoje conhecido como ensino médio). E acho que é por isso que gosto dela. Tipo, não há nada de novidade, nem ela é lá grande cantora ou pianista. Mas cumpre bem sua função.

Ela é mais nova do que eu, por isso não poderia ser exatamente minha colega de turma. Só que tem aqueles seres da época do colégio sobre os quais se não sabe muito a respeito. Vai ver eu digo isso por ter estudado num colégio como o Contato onde cada turma tem uns cem alunos. Cem adolescentes com hormônios em ponto de ebulição, gente extremamente diferente, que, mesmo Recife sendo pequena, não se encontrariam fora do colégio ou qualquer atividade referente a isso. Por exemplo, tinha essa menina que sentava atrás, onde eu também me sentava e outro cara que era fã de Bruce Springsteen; nós três costumávamos conversar entre uma aula e outra, quando não se tinha intervalo, e conversávamos até mesmo durante as aulas. Mas fora da sala, no pátio do colégio era cada um pro seu lado. No máximo a gente acenava de longe e só se falava quando estávamos voltando para a sala. Não tínhamos nada a ver um com o outro, nunca peguei o telefone de nenhum dos dois, nem eles pegaram o meu. Não sei onde eles estão nesse momento.

Então é isso, acho que Norah Jones podia ser um desses seres que se sentavam no fundo da sala junto comigo. Essa menina legal, que conversa sobre amenidades com você de vez em quando. Talvez ela comentasse sobre o interesse dela por country e eu falasse que tinha ouvido Chet Baker pela primeira vez. E depois da aula, era só. Pois é, aquela garota bonita, talentosa, interessada e esforçada e depois da aula você nem lembra dela direito. Na segunda você pergunta o que ela fez no final de semana e nem sem liga que a resposta é praticamente a mesma da pergunta que fez na sexta sobre como ia ser o final de semana. E ela faz o mesmo com você, e os dois olham as anotações que o outro fez da aula e tal... talvez uma conversa sobre caligrafia, trechos de um filme que assistiu, aquela música que ouviu, etc. Mas é isso. Você escuta Norah Jones, acha massa e tal, dá-lhe os parabéns e depois, é só. Só na segunda-feira.

quarta-feira, março 17, 2004

.::Homem branco heterossexual::.

Uma vez usei essa categorização em uma discussão sobre o movimento de minorias, movimentos de afirmação, defesa e inserção de minorias. Estes movimentos surgem devido à opressão que certos segmentos sofrem pelo sistema e coisa e tal. O uso que fiz foi uma forma irônica e jocosa de chamar atenção para o fato de que discutir minorias normalmente é discutir questões de gênero e racismo. Então, sempre há vozes que se levantam em defesa ao direito das mulheres, ao reconhecimento do negro, ao orgulho gay, no entanto o homem branco heterossexual, vai se tornando uma minoria, pelo menos no que diz respeito à representatividade e, até mesmo, ao direito a esta. Mas claro, nunca tive intenção de levantar de fato a bandeira de um movimento de afirmação do homem branco heterossexual, era só uma forma de fazer uma provocação. Uma tentativa de chamar atenção mais para a forma do que para o conteúdo.

Não foram poucas vezes que fui indagado, muitas delas com um certo tom de violência, o que eu estava pretendendo com aquilo. Normal seria tais indagações se não demonstrassem uma certa preocupação de eu estar sendo machista, racista e homofóbico. Tudo bem, não se pode esperar que todo mundo tenha o mesmo senso de humor ou que entendam a ironia. Mas a questão é: não seria esse prejulgamento de um movimento de afirmação de uma suposta minoria como um posicionamento radical um reflexo de que, no senso comum, todos esses movimentos de minoria têm um quê de radicalismo?

Claro, se os homens brancos heterossexuais são os grandes culpados por controlarem um sistema que oprime mulheres, negros e homossexuais, um movimento de afirmação provoca medo por causa da desigualdade de poder entre as partes. E realmente seria algo a ser reprimido duramente em sua origem alguma espécie de levante dessa parte poderosa para subjugar aqueles já tão oprimidos. E atribuo a isso as reações tão passionais que recebi. Se eu estivesse realmente com intenção de levar as coisas tão longe como muito imaginaram, eu mesmo seria uma dessas vozes agressivas contra mim mesmo.

Mas a questão é mais semiológica do que ideológica. Um movimento de afirmação não deveria ser necessariamente entendido como negação de outros segmentos. Pelo menos não quando se prega a igualdade de direitos, que é a reivindicação básica das minorias. Se estamos em um sistema no qual a opressão do outro é necessária para a manutenção do status quo, então estes movimentos minoritário deveriam se opor ao sistema, no caso de a igualdade de direitos ser realmente o norteador. Só que na prática as coisas são bem diferentes. A motivação aqui não é questionar o estado das coisas mais do que é buscar uma inserção. Não é se opor, mas buscar uma parte. E é com essa visão, que pode não ser muito racionalizada por todos, mas certamente é sentida, que um movimento de afirmação de minoria significa necessariamente negação de algum outro que vai surgir.

Achei por certo fazer tais esclarecimentos antes de ser acusado de racista e retrogrado e talvez até vá para cadeia por causa disso. Mas também tenho evitado fazer qualquer comentário irônico do tipo, porque vai que eu sou mal interpretado e algum branquelo radicalzinho de merda crie realmente um movimento baseado nos meus supostos posicionamentos. Por sinal, o discurso desses movimentos de neo-nazimos ou correlatos tem uma certa insatisfação e mania de perseguição bem ao gosto das minorias, digamos, mais legitimas citadas antes.

...

domingo, março 14, 2004

e havia um menina feliz chamada Maria Flor

sábado, março 06, 2004

e dez minutos depois...

melhor ficar sem entender, né?

e o melhor é que você pode apagar tudo depois

nunca disse que prestava
inclusive disse que era uma pessoa má

um dia quis ser especial...
o pior dos pecados

A força avassaladora, totalmente desnorteante, da contradição. Entendo agora que cada fato é anulado pelo fato seguinte, que cada pensamento engendra um pensamento oposto e equivalente. Impossível dizer qualquer coisa sem alguma ressalva: ele era bom, ou ele era mau; ele era isso, ou era aquilo. Todas são verdadeiras. Às vezes tenho a sensação de que estou escrevendo sobre três ou quatro homens diferentes, bem distintos, cada um deles representa um desmentido de todos os outros. Fragmentos. Ou a anedota como forma de conhecimento.

Paul Auster, A invenção da Solidão

Antes era apenas figurativo. Não tinha o que escrever então desenhava com caracteres, mesmo porque nunca foi de desenhar bem. Agora não é que tenha algo para escrever. Talvez nunca se tenha que escrever. Mas se escreve, de qualquer forma. E quando se descobre como escrever pode dar algum poder, que pode mudar muita coisa ao redor, então escreve em busca da beleza, escreve para tornar tudo mais suportável, escreve para machucar - a si e aos outros -, para ser diferente, para seduzir e conquistar. Embora nem sempre faça isso intencionalmente, nunca se esquiva da responsabilidade.

E quando precisa escrever para desabafar, para não explodir? Escrever fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, repetidas vezes pode parecer justo. Pode até parecer que adianta de alguma coisa. Não ter que se preocupar com a lógica de tudo. Apenas ir colocando tudo para fora enquanto vem de sabe-se lá onde.


Talvez se desesperar e pedir por ajuda a qualquer um. Talvez se irritar. Talvez encher de ironia. Talvez fingir felicidade. Talvez non-sense. Talvez tentar ser apenas analítico para ressaltar a frieza que todos acreditam ser o ponto característico.