quinta-feira, novembro 18, 2004

Bonecos, brilho e ovelhas ou sobre o amor como automutilação

Também poderia ser sobre como as coisas podem se conectar de uma forma estranha. Aí, eu assisti Dolls, que é um filme com três histórias de amor, pra se dizer o mínimo. Mas o lance não é mostrar pessoas felizes se amando. Trata-se de um filme sobre a dor do amor. A história que serve como linha mestra é a de um casal que anda perambulando amarrados um ao outro. Ele estava para se casar por conveniência com a filha do presidente da empresa onde trabalha, quando descobre que a ex-noiva tentou cometer suicídio. E tem a história de um chefe do crime organizado que abandonou a sua amada décadas atrás e ela espera por ele em um parque, sempre levando consigo almoço para os dois. A mulher, assim como os dois mendigos amarrados, atraem a atenção dos curiosos que conhecem a suas histórias. São ridicularizados. A terceira história mostra uma cantora pop e um dos seus fãs que a segue por todos os compromissos. Em um acidente de carro ela perde um olho e se isola do mundo para não ser vista desfigurada. Para se aproximar dela, o fã fura os próprio olhos, para assim não poder vê-la.

Então, tem esse filme sobre a dor de se amar. Com um das tramas sobre uma pessoa capaz de se ferir para não se distanciar da pessoa amada.

Antes, eu já havia assistido Brilho eterno de uma mente sem lembranças, que é um filme de amor também. Mas é um filme sobre um relacionamento que se acaba. O fato é que ele conhece ela, e os dois têm um relacionamento que por algum motivo não dá certo, e ela decide passar por uma operação para apagar ele da memória, aí ele descobre, sofre e decide fazer o mesmo para tirá-la da mente. Mas, quando está passando pelo procedimento, ele se arrepende e tenta de tudo para não esquece-la, enquanto suas memórias vão sendo apagadas uma a uma. O filme oferece a oportunidade de vasculhar vários momentos da vida dos dois, e mostra como amar pode ser legal e difícil ao mesmo tempo. Não é um filme sobre a dor de amar, mas como relacionamento é complicado. Complicado pra caralho. Em um dialogo com o médico que oferece a técnica de remoção de memória, ele pergunta se tem perigo de sofre algum dano cerebral e obtém como resposta que é exatamente através do dano cerebral que ele vai ter sua amada apagada para sempre de sua vida.

Agora tem esse filme sobre um relacionamento que acaba. E os dois recorrem a um procedimento cirúrgico que causa pequenas lesões no cérebro para nunca mais terem que lembrar um do outro.

E O silêncio dos inocentes, que eu vi na minha adolescência, e foi um choque danado na época. E esse não é um filme de amor. Pelo menos ninguém diria que é, assim, logo de cara. Porque é um filme que tem dois psicopatas, um deles está preso e recebe a visita de uma futura agente do FBI, prestes a se formar, para ajudar a solucionar o caso no qual o outro assassino em série está matando jovens gordas e lhe tirando a pele. Tudo bem, existe uma tensão no ar quando o psicopata e trainee do FBI se encontram. Meio que surge uma admiração mutua entre os dois. Afinal, cada um é um enigma para o outro. Mas não é exatamente esse o ponto. Tem uma cena em que o temido canibal, o tal psicopata preso, é levado à presença de uma senadora cuja filha foi seqüestrada pelo bufallo bill, o tal assassino de gordinhas, para dar alguma pista em troca de um melhor tratamento na prisão. A certa altura ele fala que um sujeito que tem o braço decepado ainda pode senti-lo coçando e depois pergunta à senadora onde é que coça quando lhe tiram a filha. Ele diz isso de sacanagem porque se supõe que a senadora tenha amado e amamentado a filha.

Um filme sobre terríveis crimes em série no qual só um louco pode dar pistas do outro. E tem esse psicopata, que é psicólogo também, que faz uma comparação entre um membro decepado e a dor pela falta de uma pessoa amada.

E é assim que uma coisa leva a outra. Em cada um desses filmes estão presentes formas diferentes de amor. E todos eles tocam, de alguma forma, na questão da mutilação. Como se as coisas estivessem, por um ponto, ligadas. Então seria isso mesmo? No primeiro filme, a mutilação surge para da concretizar um amor, no segundo, é usado na tentativa de que esse amor nunca mais exista e no último, representa a perda do objeto amado.

Quando começamos um relacionamento estamos nos mutilando, pois essas coisas deixam marcas na gente. Nunca mais seremos os mesmos, íntegros como antes. Acaba, como tudo, e para não sofrer tanto, um tipo automutilação pode dar aquela falsa sensação de que não precisamos mais. Mas, ao final de tudo, a gente vai continuar sentido aquilo que não faz mais parte da gente. E cada um sabe muito bem onde é que coça.

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