talvez fosse conseqüência do fuso. claro que não era. já tinha se passado muito tempo desde que ela voltou. mas de fato, os horários de Maria Flor eram muito estranhos. e ela nunca mais conseguiu dormir antes de uma da manhã. é, só que esse tipo de coisa acontece, inclusive com gente que nunca mudou de fuso-horário. se bem que, quando ela chegou, dormir era quase impossível. ela sabia que cedo ou tarde as razões de sua partida bateriam à sua porta, mostrando que ela estava certa. e não podia partir de novo e teria que enfrentar tudo. então, quando acontece de não conseguir dormir antes das três, ela se lembra daquelas primeira semanas esperando até a notícia de sua volta chegarem aos ouvidos de Paulo. nesse período havia um motivo para a insônia. agora, só existia a insônia. as coisas pareciam ter se acomodado, eles conseguiram se adaptar à nova situação. mesmo assim, quando a insônia se fazia presente, Maria Flor não conseguia deixar de acreditar que ainda existia aquele motivo. Maria Flor conhece o fardo que é amar alguém que esperava tanto dela e criava tantas expectativas - que nem eram expectativas em si, mas apenas, como ele mesmo sabia, frustrações esperando para acontecer. Maria Flor foi embora depois do incidente. ela sabia que Paulo precisaria mais dela do que ninguém jamais precisou. e ela gostava muito dele para se submeter a isso. gostava dele e não queria encarar o fato de que corresponderia às suas expectativas apenas porque agora ele se encontrava paraplégico. entre se negar a ajudar alguém que amava incondicionalmente e criar uma falsa compensação pela má sorte dessa pessoa, Maria Flor preferiu sumir. e dentro de sua lógica estava ajudando Paulo dando a única compensação que seria verdadeira: a ausência. durante dois anos Maria Flor percorreu o mundo. o único contato que mantinha era com seus pais através de cartas esporádicas que continham sempre uma solicitação enfática para que o conteúdo não chegasse às rodas de conversa. e quando voltou, passaram-se dez meses até que, finalmente, ela e Paulo se reencontrassem. no dia em que recebeu a primeira mensagem dele, seis semanas e dois dias após sua chegada, Maria Flor marcou aquela hora. ela já sabia que Paulo usaria os primeiros quinze minutos passados de uma da manhã para, praticamente todos os dias, entrar em contato com ela. e nos últimos cinco anos tem se valido de memos para o celular, e-mails, serviços de recado e até pizza para deixar clara a ligação entre os dois. e mesmo quando nada disso surge na madrugada de Maria Flor, ele sabe que ela está pensando nele.
sexta-feira, julho 22, 2005
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