segunda-feira, junho 23, 2003

Desabou na cama. Mas não sentia sono. Nem mesmo cansaço físico. Estava cansado de pensar. Queria um daqueles comprimidos que apagam a mente. Mas não queria dormir. Sabia o que estava errado. Queria acreditar que nada daquilo estava errado. Sabia da ironia das coisas mudarem em tão pouco tempo. Então, o que era certo, e foi certo, passou a parecer errado, crucialmente errado estava. E agora tinha que aprender a levar consigo mais esse arrependimento por não ter feito algo. “Como isso cansa!”, pensou.

Uma passagem do único Baudelaire capaz de mudar sua vida. Sim, poesia. Que não leva em conta o ser humano, como dizem, mas que está lá por causa dele. Sentir não é único da natureza humana. Ter consciência de que sente, talvez seja. Mas não estava preocupado com nada disso. Só é possível viver através de abstrações. E lembrar é exatamente o oposto disso. Confuso. Posto que a vida é só lembranças. A consciência nasce quando se está apto a lembrar. Uma vez leu em Umberto Eco que, em obras de ficção, o que está escrito é verdade, uma vez que se concordou em ler. Já em reconstituições históricas, tudo pode ser contestado.

Tinha a intenção de juntar todos os pedaços. Construir uma trama a partir dos fragmentos, não como nos filmes noir, mas como na vida real. E, uma vez que não soubessem que era uma reconstituição histórica, ninguém poderia negar a veracidade. De qualquer forma, tratava-se apenas de uma mentira na qual quis acreditar. De fato, uma ficção.

(continua)

... não importa se era um vestido preto. Muito conveniente, pois preto é sua cor preferida...
... e se tivesse cabelo ruivo. Perfeito demais, ninguém acreditaria. Mesmo que fosse, podia muito bem ser tingido.

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