sexta-feira, janeiro 10, 2003

Decidi dar um tempo, hoje, para sentir coisas acontecendo a minha volta. Deixei de lado a leitura instigante de A Ilha – sei que Huxley me perdoaria, a panorâmica nos Seis passeios pelos bosques da ficção de Eco, este certamente nem daria a mínima para o que eu faço ou deixo de fazer e dei folga aos meus personagens. Um pouco para tomar contato com pessoas de verdade, observá-las falar e ouví-las passeando por lugares que sempre estão lá, mas principalmente para aproveitar, simplesmente aproveitar a vida. Em meio a todos os assuntos e todas a visões destas horas jogadas ao leu, vez por outra vinha a minha mente as famosas conferências Norton que todo ano leva alguém cuja a obra tenha relevância a apresentar um cíclo de seis conferências em Havard. As conferências apresentadas por Umberto Eco estão reproduzidas nesse livrinho citado no começo do parágrafo, meu único contato mais “direto” com tais explanações (o professor usou uns trechos do livro no qual as coferências de Italo Calvino estão presentes em um trabalho, mas é melhor não contar com este episódio, pois não tem muita relevância).

Acho que já falei antes do meu senso de realidade distorcido, pois bem, pus-me a imaginar as minhas seis coferências Norton, que jamais vão acontecer. Um motivo simples para isso, ninguém se prepara para as coferências Norton, ninguém estuda, pesquisa e pensa tendo como objetivo único ser convidado a apresentar o cíclo. Não, essas pessoas passam a vida se dedicando as suas obras, no intuito de contribuir para a formação de conhecimento da humanidade e coisa e tal. Imagina uma banda formada só para participar de um festival hype, um Abril pro Rock ou um Reading da vida, ainda que essa banda chegasse a se apresentar, não sairia do lugar, não seria nada além de um afago no ego de seus integrantes. A arte não deve ser usada como vingança pessoal, nem como realização íntima de um desejo. Pelo menos não reduzida a isso.

Mas voltando, minhas conferências teriam o nome de 6 vezes perdido nos labirintos dos clichês. Sim, falaria de como os clichês da ficção afetam nossa existência. A vida está cheia desses clichês que sempre buscamos ofuscar por trás de uma busca extraordinária por algo maior. Não, não é o caso de achar tal busca desinteressante ou desnecessária. Mas, antes, o caso de mostrar como são os cliches a base de tudo. O clichê da mãe protetora, do aluno esforçado, da criança feliz, do trabalhador exemplar, do bêbado consumindo a própria vida, do amor não correspondido, dos momentos de afeto. É mais ou menos esse o objeto de meu estudo. Quero saber do ordinário, do patético, do ridículo, do banal, do que ninguém vai se emocionar se acontecer, mas acontece mesmo assim. A tarde de Sábado preguiçosa na rede, a comida simples feita por você mesmo para você mesmo, a pipoca quente e um bom filme na TV – grata surpresa, o livro emprestado com grifos, o disco que se escuta todo dia, das fotos tiradas num dia qualquer, uma pessoa que sentou do seu lado lhe proporcionou uma boa conversa, o mal cheiro de alguns lugares e o agradável aroma de outros, as noites escuras, as noites de lua cheia, céu estrelado, sol escaldante, calor inclemente, manhã chuvosa em baixo das cobertas, leite achocolatado e ir pro trabalho, pegar o ônibus, chegar atrasado, chegar cedo e ficar sozinho, os bons momentos em silêncio, as conversas planejadas que não se planeja, quadros que se ver em qualquer canto...Enfim, como isso tudo afeta a gente? São essas coisas, esses clichês, sempre apresentados nos textos, nas músicas, nas conversas e discursos, nos filme e nas peças... que acabam constituindo parte importante da vida da gente, parte que precisa existir para que algo fora do comum aconteça, e até o fato desse fora do comum acontecer não passa de um clichê também.

Talvez leve muito tempo para concluir esse pensamento, e mesmo quando estiver pronto, não será apresentado num ciclo de conferências, mas enfim, mais um clichê da vida é que a gente precisa centrar um pouco nosso olhar em uma direção, pelo menos de vez em quando. É preciso olhar ao redor e olhar as redondezas, olhar para o chão de vez em quando para olhar para o céu, saber para onde se esta indo no caso de querer mudar de direção em algum momento... E isso tudo me deu sono.

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