sexta-feira, abril 11, 2003

O momento roubado

Comecei a escutar Eric Dolphy. Como terá sido enquanto ele tocava o sax para gravar aquela música? Fico imaginando-o colocar toda aquela energia que atravessa todo o universo em notas músicais. Como será sentir o ar saindo dos pulmões e se transformando em algo que vai deleitar outras pessoas? Será que se pensa nisso? Não sei mesmo. Mas o nome da música, The Stolen Moment, faz-me pensar que sim. Logo eu pensei no momento dele, que todo mundo de certa forma se apropriava para dar um significado de acordo contextos tão diferentes que o próprio Dolphy jamais poderia imaginar quando estava compondo - pelo menos eu acho. Por outro lado, o título pode significar exatamente o contrário. A música se inteferindo nos momentos alheios. Como aconteceu enquanto eu escrevia esse texto e como acontece enquanto ele é lido - mesmo que o leitor nunca tenha escutado essa música.

Roubar momentos, tê-los roubados. Isso sempre acontece. A não ser quando se está muito só - como eu estou agora, mas, ainda assim estou tentando roubar o momento de alguém. Uma pessoa sempre vai ter sua visão particular sobre algo que aconteceu a outra pessoa também. Na nossa vida, temos vários níveis de relacionamentos; dos mais superficiais aos mais profundos, dos mais fugazes aos mais duradoures, dos mais incostantes aos mais plenos... e todos eles se baseiam um pouco em momentos roubados. Na melhor das hipóteses, em momentos divididos (mesmo que nem sempre se tenha escolha).

É isso que acontece quando eu leio algo e intepreto de acordo com o que estou vendo. Ou quando uma música me remete a um sentimento particular. E um filme parece ter sido feito pra mim. Quando convido alguém para almoçar comigo. Quando digo a essa pessoa algo que sei que vai deixá-la pensativa. Quando escrevo algo... E, no entanto, alguém está roubando esses momentos de mim. Por exemplo, vem aqui lê algo e julga e interpreta e faz comentários. Eu li uma frase, ou ouvi, ou sonhei com ela e dizia o seguinte: pessoas são como personagens buscando alguém para criá-los. E, por tudo que escrevi aqui, acho que roubar momentos é uma das estratégias usadas nessa busca por um autor, por alguém (que pode ser só um ou vários) que nos faça existir.

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