quinta-feira, maio 15, 2003

Hoje eu decidi escrever um texto normal de blog. É. Algo que as pessoas leiam e compreendam. Que fale bem claramente das minhas experiências e que possa, talvez, faze-las pensarem que conhecem um pouco de mim. Ou, talvez, que elas se divirtam com algum acontecimento inusitado ou uma frase engraçada que eu bole. Nele eu posso comentar o assunto do dia, falar de problemas gerais da nossa sociedade, dar um testemunho desavisado sobre a vida nesse início de século. É mais fácil fazer as pessoas entenderem antes de sentirem, e talvez seja mais justo também. E certamente é menos desconcertante para todos.

A respeito de Os Palhaços de Fellini: um filme sobre a figura mítica do palhaço. É, aquele sujeito que normalmente se apresenta nos circos com a cara pintada e fazendo coisas patéticas. O filme é um documentário... aliás é um filme sobre a produção de um documentário que “resgata” a história do palhaço, enfatizando o processo de desaparecimento ou de perda de significado ou de re-significação desta representação de uma cultura popular muito antiga que foi varando a história e se adaptando às mudanças. A primeira cena do filme é daquelas que despertam uma nostalgia por algo que eu mesmo nunca presenciei. Um garoto é acordado por barulhos que vêm do lado de fora da casa e quando abre a janela vê uma grande lona sendo levantada. Durante a apresentação dos palhaços no circo o garoto chora com medo (eu também tinha esse medo de palhaços) e compara aquelas figuras circenses a outras figuras que encontra comumente pelas ruas. E talvez esses sejam os palhaços mais patéticos e mais assustadores de todos. Com inúmeras cenas de apresentações, belas tomadas do mundo circense, o filme mostra tanto seu lado cômico e quanto seu lado melancólico. Mostra bem como eles deram origem a cômicos da era do cinema e mais tarde da televisão com o humor corporal e as gags. É bem mais interessante do que esse texto; tem um visual belíssimo sem ser muito elaborado e revela uma pesquisa cuidadosa sobre o tema, embora não desvende tudo o que o espectador gostaria de saber, pelo menos no meu caso.

A respeito as adolescentes encontradas mortas no meio do canavial: todo mundo parece ter dado grande importância ao crime. Apareceu em todos os jornais locais, nos grandes sites, telenoticiários locais e nacionais, e foi um assunto corriqueiro no IRC e nos webfóruns. Sim, um crime chocante, sem dúvidas. E quando esse tipo de coisa acontece sempre ressurge uma discussão muito controversa e fragmentada sobre violência. Fala-se de pena de morte, de falta de vontade política para resolver o problema. Põe-se a culpa nas famílias que deixaram as meninas irem pra não sei onde não se sabe com quem, ou a culpa nas meninas por serem inconseqüetes e fúteis. Diz-se que a polícia vai prender logo os envolvidos, diz-se que nunca vão ser encontrados, que vai passar no Linha Direta. Gente que saiu do Brasil por causa da violência acha que tomou a decisão correta, quem ficou os chamam de covardes dizendo que é preciso lutar para que o país melhore. O Brasil não tem mais jeito. O mundo está perdido. É o final dos tempos. Bom, isso tudo deve fazer mesmo sentido, quando tudo no mundo é gerado por violência, desde a natureza até às normas de convívio social e as formas como elas são burladas. Não quero ser pseudo-filosófico nem pseudo-engajado, mas nesse momento está caindo uma chuva a pelo menos uma hora e deve estar dificultando a existência de muitos por aí. Tem uma porra de um vírus se espalhando em vários países e por enquanto nada pode ser feito. O mundo está cheio de conflitos armados em todo canto. O Brasil vive um momento em que todas as diferenças sociais são expostas num problema chamado tráfico de drogas. Andar pela rua é sentir bem todos esses problemas. E mesmo assim é preciso que um crime ‘bárbaro’ aconteça no seio da classe-média para as pessoas ‘esclarecidas’ emitirem suas opiniões cheias de preconceitos. O mundo não é tão simples, e uma simples atitude não vai modificar em nada a realidade. É preciso observa-lo de uma forma mais completa e não só quando entram no nosso jardim. E, ainda assim, ter certeza de que, mesmo que todas as providências possíveis e imaginadas sejam tomadas, pessoas vão continuar a morrer vitimas de violência de todos os tipos, inclusive das geradas por essas providências. Vamos ser culpados sempre.

A respeito de qualquer coisa: é impossível estar dentro de uma sala vazia.

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