terça-feira, julho 22, 2003

Eu devo mesmo ser um sujeito estranho. Tem uma coisa chamada monomania que é basicamente a tendência da pessoa ficar pensando unicamente sobre um assunto durante muito tempo. Isso acontece comigo com certa freqüência. Os resultados a que isso levam podem ser engraçados como muito graves, pode ser que eu consiga desenvolver uma linha de raciocínio suficientemente lógica sobre uma coisa ou que crie as correlações mais esdrúxulas. O pior é que, muitas vezes, os temas em que me prendo não são nada objetivos. Houve ocasiões que eu consegui dar uma saída criativa pra esse problema e acabei realizando um feito importante. Um exemplo disso – e o único recordado nesse momento – foi meu projeto experimental sobre filmes adolescentes. Eu não conseguia, na época, não prestar atenção nesse tipo de filmes, principalmente por causa de umas atrizes. Elas são, a saber, Claire Danes, Christina Ricci, Anna Paquin e Natalie Portman. A minha sorte, creio eu, foi o fato de ter acontecido junto com o fenômeno de exposição na mídia de Leonardo DiCaprio, dando-me assim um objeto relevante para estudar os tais filmes adolescentes.

Pois bem, hoje, em que estou estudando muito sobre imagem e lendo quase tudo de Estudos Culturais, não consigo evitar de querer usar isso tudo para analisa o T.A.T.U. – é aquela dupla de cantoras russas que formam um casal lésbico. Mas, no caso, e ao meu ver, música é o que menos importa no trabalho do t.A.T.u. (não sei como é a grafia, sei que tem letras maiúsculas e minúsculas). As atenções se voltam para a questão de valores e identidades – e todas as oportunidades trazidas pelo mercado a partir daí – com os quais esse projeto (desculpem, mas não consigo não ver a banda como uma armação – muita bem sacada, por sinal – de algum produtor com algum talento e muita cara-de-pau) mexe. Pra começo de conversa, são duas ninfetas que sempre aparecem em poses provocantes deixando bem claro o lesbianismo, são russas. É, uma delas é ruiva também, mais isso pode ser meramente uma questão de gosto pessoal.

Garotinhas bonitas e sensuais, vindas do leste europeu, cantando música pop enquanto fazem alusões bastante claras e diretas ao lesbianismo. Sim, inserem o tema, talvez, ainda espinhoso do homossexualismo, mas como o fazem? Apelam para artifícios muito caros à cultura pop ocidental. Que a beleza adolescente está em alta não é novidade e tem um monte de campanhas e editoriais de moda para atestar. São russas, não mais da velha inimiga vermelha, mostram um sopro de cosmopolitismo em um país que tentou se isolar durante longas décadas. Trazem também um certo exotismo por virem de uma parte da Europa que não é bem a Europa. Vale lembrar o fetiche masculino com relação ao homossexualismo feminino. Por fim, ser – ou parecer - transgressor e rebelde ainda é uma das bases da cultura adolescente, e isto vem sendo potencializado à medida que as coisas vão perdendo o real caráter de transgressão e rebeldia.

Outra parte da minha análise vem de um clipe do T.a.T.U. para a música “All the thing she said” (popizinho pegajoso, mas pareceu-me bem dançante). No tal clipe a meninas aparecem vestidas de colegiais (sugestivo, não?) em baixo de uma chuva torrencial. A marcação é basicamente a mesma durante todo o clipe: elas aparecem em frente a um muro e na frente delas está uma pequena multidão de pessoas; separando a multidão das russinhas tem um elemento bastante sugestivo que muda de acordo com as tomadas, embora pareçam ter o mesmo significado, uma ora é uma cerca de alambrado e ora é uma grade com barras de ferro. Durante todos os clipes as meninas andam de um lado para o outro passando em frente às pessoas que as observam através das barras de ferro ou da cerca. As pessoas ficam passivas assistindo a angustia das duas meninas que parecem estar incomodadas com a grade (em momentos elas balançam a grade com aparente intenção de quererem se soltar). Fica logo claro que se trata de uma multidão observando o relacionamento de duas garotinhas lésbicas (inevitavelmente tem cenas insinuantes e um beijo entre as duas) que parecem não ter para onde ir – pois o muro atrás deles parece ser bastante opressor e a grade na frente não deixa que elas se misturem com o resto das pessoas. No momento em que a música acaba – como se o show também acabasse – para de chover e as duas se dirigem para uma parte que até então não havia aparecido. O muro termina e abre-se um enorme descampado por onde as duas caminham se distanciando para longe das pessoas, que agora parecem estar presas, pois continuam imóveis. Acho que daria para chegar a algumas conclusões, mas prefiro dizer que quando me dei conta de que estava vendo esse clipe me senti no lugar das pessoas passivas atrás da grade e isso me incomodou muito.

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