Então é isso. 2004 vai ficar mesmo como um ano ruim. Não que tenha sido de verdade. Só que, sabe aquelas pessoas esforçadas e atenciosas, mas que não sabem muito bem como fazerem as coisas darem certo? Pronto. 2004 é tipo elas. Por mais coisas boas que tenha trazido, aquele climinha de que algo não estava certo foi constante ao longo de seus 366 dias - e parece até sacanagem que tenha sido um ano bissexto. Porém, para não ser mais chato do que de costume, talvez seja melhor falar das coisas boas, afinal, como disse, esse ano teve bastante.
- Esse foi mesmo o ano de Kill Bill: não sei se foi "o" melhor filme que eu vi esse ano, mas é daqueles filmes que faz pensar em como está certo em seu amor, muitas vezes incondicional, por filmes.
- Filmes importantes nos momentos em que eu vi: Encontro e Desencontros, Dolls, Homem Aranha 2, 33, Brilho eterno..., O pântano, Temporada de Patos (a surpresa ou "valeu, Fábio Leal"), Chuvas de Verão (outra surpresa).
- Dogville
- Mestres: Woody Allen - gostei muito do revisionismo de Igual a tudo na vida, foi bom tê-lo visto nesse final de ano, sem falar na Christina; Tim Burton - gosto de lembrar de Peixão, embora não tenha me causado tanto impacto como é comum nos filmes dele; Clint Eastwood - mais um daqueles "não é exatamente o que parece"; Betolucci - nesse caso, eu gostei mais de ver Os Sonhadores do que de lembrar dele; Almodóvar - sua inesperada, ao menos para mim, incursão pelo cinza e porque um filme com Moonriver, mesmo em espanhol, nunca vai ser ruim.
- Blake Edwards recebendo um Oscar especial, só para lembrar que o cinema ainda não consegue voltar a fazer comédias como a dele (nem ele mesmo consegue mais).
- Redescobertas (ou como DVD é algo legal): destaque para os dois Era uma vez de Leone (reflexo do ano Kill Bill, em certa medida), e para a versão integral de O Profissional (aka Leon) que eu pude enfim ver. Almost Famous foi um caso a parte, porque nunca fiquei tão feliz de rever um filme (vale ressaltar que também era a versão intgral que vem no disco dois do DVD duplo, também nunca vista).
- Ainda sobre DVD, só mais uma palavra: Possession.
- Ter descoberto Siegfried Kracauer foi indispensável, e ter lido Nelson Brissac Peixto falando sobre imagens, paisagens e presença foi de fazer chorar.
- Ter ensinado: gostaria que as aulas tivessem sido melhores, mas fiquei satisfeito, principalmente ao ver os alunos comentando sobre os assuntos dos textos que eu passei para eles lerem, principalmente pelas análises dos filmes exibidos durante as aulas.
- Ter passado Asas do Desejo para a turma: pode ser que eu me torne um bom professor no futuro, pode ser que não, mas acho que a reação da classe ao ver esse filme, ao qual poucos tinham assistido, é algo que vai marcar para sempre.
- O show do Teenage Fanclub: foi especial. Não só porque foi um show maravilhoso, mas por ter me dado orgulho dos meus amigos envolvidos na produção.
- Aquela coisa toda que foi o show do Kraftwerk: vá-la que os caras fazem a mesma coisa que faziam trinta anos atrás, mas se o que eles faziam era bom, continua sendo.
- O show de Brian Wilson em uma palavra: lindo
- Ter visto Brian Wilson na minha frente autografando meu Smile duas vezes.
- Paulinho da Viola no Guararapes: não sei porque esperei tanto para ver um show dele. Tinha perdido no carnaval, mas consegui compensar. Valeu, mestre.
- Profiterolis no Barramundo e no Gororoba da Moeda: foram dois shows em que tudo soou perfeito para mim.
- O lançamento de Coisas, de Moacir Santos, em CD: foi o presente que eu me dei de Natal.
- O compacto de Muito Estranho, de Dalto: só para lembrar que uma das minhas lembranças mais antigas é de estar cantando essa música quando criança.
- O show do Primal Scream: pela pegada e por ter me feito ressuscitar.
- Mellotrons no Maurício de Nassau e no Mad Pub: o primeiro foi incrível, o segundo foi tosco, mas a banda se sai bem de qualquer forma.
- PJ Harvey: o show da minha vida. Porque ter terminado com To bring you my love foi algo para fazer o mundo desabar. Por ela ter dito que nunca tinha visto tantos rostos sorridentes e por um desses rostos ter sido o meu.
- Ter assistido LIT com Sil.
- Ter assistido Brilho eterno... sozinho.
- Ter comprado o Clube da Esquina, pois antes eu só tinha uma cópia em CD-R.
- Dar a minha cópia em CD-R do Clube da Esquina para Mari.
- Minha viagem para São Paulo. Ter revisto Gabi depois de um longo tempo. Ter ficado na casa de Bandeira que me mostrou uns lugares bem legais.
- A noite em que Julia me encontrou sozinho na avenida Paulista, e depois de algumas roubadas, ter me levado para curtir uma noite bem atípica. Princapalmente por termo ido à ponte - um lugar muito massa (que na verdade é um viaduto) - junto com Bin, Cookie e Heitor.
- Um abraço de Brenda, uma noite, na Rua da Moeda.
- Os dias do TIM Festival e todas os amigos que estiveram comigo lá. Principalmente depois do show da PJ, com destaque para presença de Lule que conseguiu expressar toda a alegria que estávamos sentindo.
- Um telefonema de Natália no meu aniversário.
- Minha festa de aniversário com Aline. Por todos que foram lá se divertir.
- A nova arrumação do meu quarto.
- Algumas fotos.
- Uma conversa telefônica de cinco horas com Lellye
- Ter escrito um roteiro com Daniel que passou para a segunda fase da seleção do MinC, mesmo que não tenha sido contemplado.
domingo, dezembro 26, 2004
sexta-feira, dezembro 24, 2004
:.:era pra ser um post telefônico sobre minha situação no mundo:.:
"Sempre que eu ligo para você meu inglês fica péssimo". Tinha essa frase em um curta que eu vi. Era dita em inglês mesmo. Um cara que liga de celular para a namorada estrangeira dele numa madrugada de sexta para sábado. E é assim mesmo. Às vezes se tem todas aquelas coisas para falar e você liga para a pessoa e sai tudo de outro jeito.
Telefone não deve ter sido inventado para conversação. Não sei se o velho Bell imaginou aqueles usuários que passam horas conversando através dessa ligação. Acontece que nem sempre funciona bem, pode chiar, pode ter linha cruzada, a ligação pode cair, aí tem o celular que pode ficar sem bateria, ou perder o sinal... E, em todos os serviços de proteção ao consumidor, as operadoras de telefonia, fixa ou móvel, são as campeãs de queixas.
Às vezes, existe algo extremamente sincero a ser dito. Aí o telefone transforma todo o sentimento em impulsos elétricos e chega lá na outra pessoa. Só que funciona também... mesmo que o "inglês fique péssimo". As pessoas estão lá conversando, dividindo um momento que poderia ser de extrema solidão. E lá estão as pessoas, falando por cinco horas, e só se dão conta disso por causa da dor que fica na orelha.
terça-feira, dezembro 21, 2004
;:era pra ser um impressionado sobre minha situação no mundo:;
Não importa o que você escreva, vai ter sempre alguém para ler com muito interesse os seus textos. Tem tanta gente nesse mundo que, por mais que tenha quem escreva, vai ter sempre alguém pra ler. Não saberia dizer se isso é bom ou ruim. Certamente é culpa da superpopulação. Tem gente pra tudo nesse mundo.
domingo, dezembro 05, 2004
terça-feira, novembro 30, 2004
domingo, novembro 28, 2004
quinta-feira, novembro 25, 2004
::era pra ser um post bonito sobre a minha situação no mundo::
Aí eu estava lá. Tinha acabado de chegar, e era familiar aquele lugar. Não só porque aeroportos se parecem (essa história de não-lugar), mas porque tinha estado lá de fato. Uns quatro anos antes. Aí tem essas coisas todas de aeroporto, esteira de bagagem, carrinho de bagagem, espera pela bagagem, portão de desembarque, pessoas esperando. Não tinha ninguém me esperando de fato. Mas havia uma pessoa esperando de fato, e havia essa outra pessoa esperando encontrar essa pessoa que a esperava de fato. E aí... Lá estava eu... numa daquelas cenas de reencontro, talvez uma dessas coisas todas de aeroporto também. Duas pessoas se abraçando, falando baixo no ouvido (posso jurar ter visto), beijos. E eu podia imaginar os movimentos de câmera, talvez a trilha sonora, e até imaginar a reação... mas é daquelas coisas que você só vai se importar mesmo quando os personagens chamam a sua atenção... de outro modo, faria como todo mundo: continuava seguindo, procurava um telefone, iria tomar um café.
quinta-feira, novembro 18, 2004
Bonecos, brilho e ovelhas ou sobre o amor como automutilação
Então, tem esse filme sobre a dor de se amar. Com um das tramas sobre uma pessoa capaz de se ferir para não se distanciar da pessoa amada.
Antes, eu já havia assistido Brilho eterno de uma mente sem lembranças, que é um filme de amor também. Mas é um filme sobre um relacionamento que se acaba. O fato é que ele conhece ela, e os dois têm um relacionamento que por algum motivo não dá certo, e ela decide passar por uma operação para apagar ele da memória, aí ele descobre, sofre e decide fazer o mesmo para tirá-la da mente. Mas, quando está passando pelo procedimento, ele se arrepende e tenta de tudo para não esquece-la, enquanto suas memórias vão sendo apagadas uma a uma. O filme oferece a oportunidade de vasculhar vários momentos da vida dos dois, e mostra como amar pode ser legal e difícil ao mesmo tempo. Não é um filme sobre a dor de amar, mas como relacionamento é complicado. Complicado pra caralho. Em um dialogo com o médico que oferece a técnica de remoção de memória, ele pergunta se tem perigo de sofre algum dano cerebral e obtém como resposta que é exatamente através do dano cerebral que ele vai ter sua amada apagada para sempre de sua vida.
Agora tem esse filme sobre um relacionamento que acaba. E os dois recorrem a um procedimento cirúrgico que causa pequenas lesões no cérebro para nunca mais terem que lembrar um do outro.
E O silêncio dos inocentes, que eu vi na minha adolescência, e foi um choque danado na época. E esse não é um filme de amor. Pelo menos ninguém diria que é, assim, logo de cara. Porque é um filme que tem dois psicopatas, um deles está preso e recebe a visita de uma futura agente do FBI, prestes a se formar, para ajudar a solucionar o caso no qual o outro assassino em série está matando jovens gordas e lhe tirando a pele. Tudo bem, existe uma tensão no ar quando o psicopata e trainee do FBI se encontram. Meio que surge uma admiração mutua entre os dois. Afinal, cada um é um enigma para o outro. Mas não é exatamente esse o ponto. Tem uma cena em que o temido canibal, o tal psicopata preso, é levado à presença de uma senadora cuja filha foi seqüestrada pelo bufallo bill, o tal assassino de gordinhas, para dar alguma pista em troca de um melhor tratamento na prisão. A certa altura ele fala que um sujeito que tem o braço decepado ainda pode senti-lo coçando e depois pergunta à senadora onde é que coça quando lhe tiram a filha. Ele diz isso de sacanagem porque se supõe que a senadora tenha amado e amamentado a filha.
Um filme sobre terríveis crimes em série no qual só um louco pode dar pistas do outro. E tem esse psicopata, que é psicólogo também, que faz uma comparação entre um membro decepado e a dor pela falta de uma pessoa amada.
E é assim que uma coisa leva a outra. Em cada um desses filmes estão presentes formas diferentes de amor. E todos eles tocam, de alguma forma, na questão da mutilação. Como se as coisas estivessem, por um ponto, ligadas. Então seria isso mesmo? No primeiro filme, a mutilação surge para da concretizar um amor, no segundo, é usado na tentativa de que esse amor nunca mais exista e no último, representa a perda do objeto amado.
Quando começamos um relacionamento estamos nos mutilando, pois essas coisas deixam marcas na gente. Nunca mais seremos os mesmos, íntegros como antes. Acaba, como tudo, e para não sofrer tanto, um tipo automutilação pode dar aquela falsa sensação de que não precisamos mais. Mas, ao final de tudo, a gente vai continuar sentido aquilo que não faz mais parte da gente. E cada um sabe muito bem onde é que coça.
domingo, novembro 14, 2004
sábado, novembro 13, 2004
quinta-feira, outubro 28, 2004
domingo, outubro 17, 2004
sábado, outubro 16, 2004
Sofia Coppola passou a ser considerada uma cineasta de talento, reconhecida pelo trabalho em Encontros e Desencontros. Deixou de ser a filha de um cara chamado Francis; condição que foi muito comentada na época do seu primeiro filme, Virgens Suicidas. Sei que tem gente que não gosta muito desse primeiro filme dela e, no entanto, adora o segundo. É possível que exista alguém que prefira Virgens Suicidas, e provavelmente deve ter quem ache os dois filmes bobos. Na verdade, os filmes são bem diferentes, e apesar disso, tem gente que ama os dois. Enquanto o primeiro é contado através de lembranças, fugindo totalmente do realismo, carregando, ora na caricatura, ora nos estímulos sensoriais; o segundo mostra a reação de dois estrangeiros a Tóquio, que muitas vezes parece ser irreal, mas não há como negar as experiências. A trama de um pode parecer frágil, o outro parece nem ter uma trama, sendo montado em cima de situações. O fato é que, Sofia Coppola se vale menos da história, preocupada em desenvolver o filme em outros níveis: personagens, diálogos e imagens, principalmente na relação entre imagem e música. Estes são os pontos em comum dos dois filmes, utilizados de acordo com a orientação de cada um, mas com o mesmo tipo de instrumentos.
Dos pontos de convergência entre os dois filmes, chama atenção a capacidade da diretora em filmar figuras femininas. Mostrando suas personagens com afeto e intimidade, Sofia nunca descamba para o mau-gosto ou para o romantismo água-com-açúcar. E fazendo parte desse seu olhar sobre figuras femininas, podemos incluir também o clipe da música I Just Don't Know What to Do with Myself, interpretada pelo White Stripes. Enquanto Lux Lisbon é um espectro de uma presença física que assombra um grupo de meninos que estão descobrindo quão "práticas, sonhadoras, frágeis e atrevidas meninas realmente podem ser" (citando KMF), Charlotte é mais... "real", é uma menina que cresceu mas ainda não sabe o que quer, é talentosa e inteligente, mas parece perdida na vida, e é capaz de mostrar seus sentimentos e guarda-los para si dependendo da situação. Já Kate Moss é uma projeção, um ícone da beleza feminina incorporando uma fantasia de mulher sedutora.
E antes que algum discurso feminista venha criticar tais retratos, é importante perceber essas personagens como comentários sobre a situação da mulher contemporânea. Nada melhor do que uma jovem mulher cujo trabalho já ajudou a derrubar barreiras impostas por uma cultura, digamos, "machista" (foi a primeira mulher indicada ao Oscar de melhor direção o que pode não ser muito) e consegue ir se desvinculando da influência de um patriarca (o que, no caso de ser filha de um dos maiores cineastas americanos das últimas décadas, certamente não é pouco).
É possível mostrar a relação delas com as figuras masculinas. No caso das irmãs Lisbon, a presença de um pai alienado as deixa totalmente a mercê do fervor religioso da mãe. Quando Lux se deixa seduzir pelo garoto mais desejado do colégio, num jogo muito interessante de conquista e de poder, as meninas são isoladas do mundo e podem contar com a ajuda dos garotos que as idolatram para fugir da solidão. Acontece que nessa dinâmica de tão-perto-tão-longe os sentimentos dos meninos só servem para torna-las cada vez mais distantes e deslocadas do mundo.
A desorientação de Charlotte é materializada quando ela vai a Tóquio acompanhando o marido que está a trabalho. Sua solidão fica evidente na sua dificuldade de se adaptar ao fuso-horário e em suas caminhadas pelas ruas de Tóquio (existe algo de flaneur nela durante suas andanças pela cidade, embora o termo originalmente só fosse usado no masculino). E sozinha, ela acaba esbarrando com o também solitário e perdido Bob Harris.
A dança de Kate Moss (na falta de um nome para a personagem) também demonstra uma relação com alguma figura masculina, uma vez que a expressão corporal remete a certos clubes destinados a homens (embora não exclisivamente, mas certamente algo que surge dessa cultura). Acontece que a música, cantada pó Jack White, fala sobre o mesmo sentimento de solidão, que no caso seria facilmente arrefecido com a presença da dançarina. Porém esta, na verdade, não está ali para lhe fazer companhia. Ela está apenas lhe emprestado sua imagem para servir como inspiração, mas jamais está se oferecendo como objeto.
segunda-feira, outubro 11, 2004
quinta-feira, setembro 30, 2004
sexta-feira, setembro 24, 2004
Aí tinha esse menino calado e muito tímido. Ele gostava secretamente daquela menina bela, apesar de um pouco sisuda. Ele sempre buscava coragem para contar para ela o que sentia. Mas não sabia o que falar. Tinha medo da reação dela. Tinha medo de se frustrar. Ele sabia que ela gostava de ler e foi por isso que ele se meteu a ser escritor. Mas descobriu que são longos os caminhos que fazem de alguém um bom escritor. Não desistiu. Decidiu escrever aquilo que muito queria. Tentou escrever um texto falando sobre amor e mostrando os sentimentos que trazia por aquela menina. Não conseguia. Ainda não era bom em fazer palavras dizerem o que sentia. Então ele escreveu um pequeno bilhete com uma frase apenas, que longe de dizer o que ele sentia, comunicava muito bem o que queria. Tomou coragem. E com um sorriso nervoso olhou para os olhos dela e lhe estendeu o bilhete. Ela abriu e leu o pequeno pedaço de papel com apenas uma frase escrita, olhou para ele e lhe retribuiu com um sorriso cativante e sincero pela primeira vez na vida.
sábado, setembro 18, 2004
domingo, setembro 05, 2004
uma conversa com Maria Flor - parte I
- Começando pelo começo. Quando e onde você nasceu?
- 19 de fevereiro de 1980, em Recife. Terça-feira de Carnaval.
- Quem são seus pais?
- Meu pai é comerciante, dono de uma cadeia de loja de brinquedos. Minha mãe é professora universitária.
- Como foi sua infância?
- Meus pais eram muito ocupados e me deixavam o dia todo na escola. Era bem estranho porque poucas crianças ficavam o dia todo na escola e depois da aula eu ficava lá com uma babá tomando conta de mim enquanto todos iam para suas casas. Minha mãe se preocupou muito com minha formação e meu pai me deu muitos brinquedos. Mas acho que me deram uma boa educação e sempre se esforçaram para estar presentes. Eu era uma criança que não dava muito trabalho, minha mãe vive dizendo isso até hoje. Claro que aprontava das minhas, mas no geral era simpática e por ser precoce todos se surpreendiam. Acho que cativava a todos com facilidade.
- Teve amigos?
- Alguns. Tinha os amiguinhos do colégio, mas eram basicamente amiguinhos do colégio. Também tinha Rebeca e Davi, que eram irmãos. Moravam na minha rua e vivíamos brincando. Foi com eles que aprendi um pouco sobre esse tipo de relação fraternal. Sempre estávamos juntos, mas era bem clara nossa separação, no fim da brincadeira eu voltava para casa sozinha.
- Isso incomodava?
- Não. Acho que, analisando agora, foi assim que aprendi a não depender dos outros. Não entendia muito porque uma coisa acontecia a Rebeca e influía diretamente em Davi, e vice-versa. Deve ter tido momentos em que quis ter um irmão, mas isso também me ensinou a me virar sozinha.
- Podemos passar à adolescência?
- Claro (risos).
- O que é tão engraçado?
- Essa pergunta. Foi feita já com a intenção de passar para a adolescência, não? Digo, por que não perguntou logo?
- Talvez por educação, ou para organizar um pouco a ordem das coisas. O fato é que se tivesse mais algo sobre sua infância que você quisesse contar, então, eu estaria disposto a ouvir.
- Sei. Mas não sei se saberia falar algo sobre mim que não fosse motivado por uma pergunta. Mesmo que a pergunta fosse mais específica, e eu acabasse entrando em outros assuntos.
- Tem algum motivo para isso?
- É meio difícil ficar falando sobre a gente mesmo, né? Sei lá. A gente não lembra de tudo e também não é tão fácil expressar certas coisas.
- Por que não?
- Porque não é. Sei lá. Linguagem verbal não é perfeita, tem coisas além da razão... posso dar um monte de respostas desse tipo.
- Mesmo se você se esforçar um pouco mais?
- Acho que eu estou me esforçando muito. Você tem idéia de como isso não é muito cômodo?
- Por que não?
- Você está tentando me testar?
- Não... só quero saber mais sobre você.
- Por que? O que há de tão interessante em mim?
- É o que estou tentando descobrir.
- Por que? Por que tem que saber sobre mim?
- Não sei. Talvez porque não consiga domina-la muito bem nos meus pensamentos e vez ou outra estou pensando em você. E acho que se conseguir conhecer você melhor vou saber mais ou menos os motivos de pensar tanto em você e vou poder dominar meus pensamentos.
- Você quer escrever sobre mim?
- Sim. Quero. Mas não sei por quê. Deve ser porque enfiei na cabeça que sou um escritor.
- Já parou pra pensar que talvez eu não tenha nada a ver com isso?
- Já. Mas se não tivesse eu não estaria tentando loucamente saber de você.
- E isso está ajudando?
- De certa forma está. Talvez você possa me convencer do contrário.
- Tá certo. Talvez possa falar a você sobre minha vida e você vai ver que não é nada demais. Que eu sou exatamente como qualquer outra pessoa.
- Mas é isso que eu quero descobrir.
- Ok (risos). Vamos lá. Que quer saber?
- Então passemos à adolescência. Você disse que tinha sido uma criança precoce, certo? Isso também se refletiu na adolescência?
- Acho que sim. Refletiu no fato de eu ter abandonado o segundo grau para passar dois anos viajando.
- E como conseguiu entrar para a faculdade?
- Supletivo.
- Mas foi tudo planejado? Você sabia que ia voltar para fazer supletivo ou as coisas foram simplesmente acontecendo.
- Acho que se eu não tivesse planejado o mínimo que fosse, não ia ser muito precoce. É o tipo de coisa que qualquer pessoa com 15 anos gostaria de fazer, o problema é que não têm coragem e não planejam. Eu desisti e fui viajar porque sabia exatamente o que queria fazer e claro que sabia da possibilidade de fazer supletivo seguir normalmente para universidade. E foi o que fiz. Mas como você sabia que eu fiz faculdade?
- Simplesmente supus.
- Então pelo menos nisso não fui tão imprevisível.
- A princípio sim, mas diante dessa trajetória, acho incrível você ter conseguido fazer faculdade. Porque normalmente não é o que acontece.
- Talvez não, mas também não é um grande feito.
- Certo. Mas então, você prefere falar da adolescência desde o começo ou prefere contar logo como foi a viagem.
- Posso fazer os dois se quiser.
- Mas antes... Por que quis viajar?
- Tem tanta coisa por aí pelo mundo, achei que devia conhecer. Achei que devia ir ao máximo de lugares que eu pudesse e aprender em todos eles.
- Então você pensava que para aprender todas essas coisas deveria viajar?
- Isso. Mas tem algo mais. Tem gente que conhece muita coisa mesmo sem ter tido oportunidade de viajar. Paulo mesmo é uma pessoa dessas. Talvez eu pudesse ser como ele, aprender essas coisas sem ir embora...
- Mas não fazia sentido para você, certo? Conhecer as coisas sem experimenta-las.
- Talvez seja outra forma de experimentar que acontece com gente como Paulo. Acho que ele se recente de não poder viajar, mas não acho que seja pelo fato de não ter tido uma experiência imediata.
- Não? Então por que?
- Pelo mesmo motivo pelo qual, no fim das contas, eu viajei. Quando você viaja sem conhecer ninguém no lugar para onde vai, as pessoas não sabem quem você é. Elas não criam expectativas a seu respeito, não existe tanta cobrança.
- Deixa ver se entendi. Você viajou pela possibilidade de ser uma pessoa nova em cada lugar que chegava?
- Mais ou menos isso. Ser diferente, mas ainda ser basicamente... eu mesma.
- E por que voltou?
- Quando percebi que a viagem era o objetivo em si, então eu já o tinha atingido. E me pareceu uma corrida sem rumo. No final de tudo, não havia novidade mais em poder ser uma pessoa nova a cada dia.
- Então voltar seria uma experiência nova.
- Exatamente. Isso mesmo. Voltar sempre é uma experiência nova. Tentar se adaptar às coisas como elas eram antes, mesmo que tudo já seja tão diferente.
- O que mais impressionou ao chegar aqui?
- Talvez ver que Paulo havia aprendido a conviver com sua nova condição. Não sei se me impressionou mais do que me deixou contente. Ele não estava mais amargo por ter que usar cadeira de rodas para o resto da vida.
- Você sentiu culpa por tê-lo deixado depois do acidente?
- Às vezes sentia. Mas mais pelas pressões e cobranças dos outros do que qualquer coisa. Sei que mesmo diante de toda aquela amargura na qual ele mergulhou, ele nunca me impediria de ir embora. Nunca me cobraria nada, porque ele sabia que isso podia acontecer de uma forma ou de outra.
- Tem algum problema de falar mais sobre esse acidente?
- Prefiro não falar mais nisso. Se não se importa.
- Tudo bem. Não sei se tenho mais algo para perguntar.
- Ah! Mas já acabou? Pô. Deve ter mais coisas que você precise saber para escrever sobre mim.
- O que, por exemplo?
- Coisas simples. Sei lá. Tipo o que eu faço da vida e tal.
- Você trabalha como gerente em uma das lojas do seu pai, certo?
- Nossa! Você deve ser bom. E fiz faculdade de quê?
- História da arte, eu acho. Pode ter sido arquitetura. Seja lá o que for, isso é algo bem interessante, porque você volta para fazer faculdade e no final acaba trabalhando com algo que não tem muito a ver com sua área.
- É. Também acharia interessante se tivesse vendo de fora. Na verdade eu fiz Licenciatura em Artes Plásticas, o que acabou me direcionando a trabalhar com crianças, no fim das contas não está assim tão longe.
- Vai dizer que vende brinquedos educativos?
- Têm alguns que são. Mas pra falar a verdade nunca dei a mínima pra isso. Acho que a gente pode aprender com uma porção de coisas, então isso é besteira.
- É o que você quer fazer para o resto da vida?
- Cara, eu só tenho 24 anos. Como você espera que eu saiba o que quero fazer para o resto da vida?
- Certo. Mas você é vegetariana.
- Não. Já fui durante uns dez anos. Mas voltei às carnes. Pegando leve, claro.
- Por que?
- Pelo mesmo motivo da resposta anterior. As coisas mudam.
- Cozinha?
- Às vezes.
- Gosta?
- Muito.
- É boa cozinheira?
- Sei me virar bem. Não lembro de terem se queixado.
domingo, agosto 29, 2004
.::Ginsberg, Glass, McCartney e os esqueletos do mundo::.
Allen Ginsberg é um dos poetas americanos mais renomados do século passado, tendo feito parte do movimento Beat na década de 1950. Ele fez várias gravações dos seus poemas, algumas, indo além da simples leitura, incorporando experimentações sonoras e musicais. Seu nome transcende o mundo literário e estende-se a certos setores da música popular. Ele aparece no vídeo de Subterranean Homesick Blues, de Bob Dylan.
Philip Glass é mais conhecido pelas suas trilhas sonoras para o cinema, mas é um compositor influente na música do final do século XX. Fez parte da vanguarda nova-iorquina, tendo seu nome ligado à música minimalista - embora não aceite muito o rótulo. Seu trabalho inovador na música orquestral pode ser apreciado já em sua primeira ópera Einstein On The Beach. Sua colaboração com Allen Ginsberg começou com o musical Wichita Vortex Sutra.
Paul McCartney ficou conhecido por causa de um fenômeno musical chamado Beatles. Além de grande músico, é um compositor bastante popular. Várias de suas composições estão entre as mais executadas de todos os tempos. No entanto, McCartney também já trabalhou com experimentações e tem preensões que transcendem a música pop. Sua colaboração com os dois anteriores aconteceu no single The Ballad of the Skelletons lançado em 1996.
Poemas musicados, como disse no começo, não era novidade na carreira do Allen Ginsberg. Nem colaboração com grandes nomes da música, em geral, e do rock, em particular. Esse trabalho, no entanto, consegue agregar o melhor que esses três artistas ofereceram ao mundo. Para começar, o poema destila ironia e sarcasmo para sintetizar aspectos da sociedade no final do século XX através da fala de 66 esqueletos que representam setores do contexto global, dando ênfase aos Estados Unidos, alvo maior das críticas. Mostrando discursos preconceituosos ("Said the macho skeleton, 'women in their place'") e vazios ("said the neo-conservative skeleton, 'homeless off the streets' / Said the free market skeleton, 'use 'em up for meat'"), Ginsberg aponta os erros do mundo, com um certo ar de decadência humana, representada pelos esqueletos.
Enquanto o escritor fala suas frases repletas de humor-negro, uma banda liderada por Glass e McCartney faz uma performance incrível com a música composta pelos dois. Philip Glass cria o clima com seu teclado idiossincrático. Paul McCartney mostra sua versatilidade fazendo um contraponto dinâmico em um antológico órgão Harmmond, além de tocar guitarra e bateria. Mesmo tendo uma atmosfera retrô, talvez exatamente por isso, trata-se de uma das faixas mais rock n'roll lançadas na década passada. Para os mais desinformados pode parecer estranho a afirmação. Para aqueles que não conhecem o espírito, digamos, anárquico da poesia de Ginsberg, ou para os que acreditam na lenda de que McCartney era o menos roqueiro dos Beatles, ou, ainda, para aqueles que acham estranha a presença de Glass, o melhor é ouvir a música e tirar suas próprias conclusões. A informação de que Lenny Kaye (que toca com Patti Smith) é responsável pelo baixo e a sessão de guitarras conta ainda com Marc Ribot (já teve trabalhos com Tom Waits, Elvis Costello e John Zorn) pode dar uma idéia do que estou falando.
terça-feira, agosto 24, 2004
sexta-feira, agosto 13, 2004
Sabe All you need is love? Tem uma frase no arranjo de sopro (eu sempre penso que é um trobone) que vem logo depois da frase que dá nome à musica. Ninguém nunca me disse nada que me deixe tão feliz quanto aquilo lá. Queria aprender a dizer aquilo... para quando as coisas não estiverem assim tão bem.
terça-feira, julho 27, 2004
domingo, julho 18, 2004
"I'm thirty-something". Essa frase é da música Midlife Crisis, parte do disco Angel Dust do Faith no More. Eu tinha a impressão de que a crise da meia-idade acontecia depois que o cara fazia quarenta-qualquer-coisa. Bourdieu, sempre ele, explica que essa crise acontece quando a pessoa descobre que não vai mais realizar seus sonhos, aí tem que se adaptar a realidade. Depois ele diz que quem trabalha com jornalismo, e Bourdieu costuma ser bem cientifico nessas coisas, tende a passar por essa crise mais cedo. Na casa dos trinta. Acho que por ser jornalista por falta de oportunidade (ou de competência) de trabalhar com coisas que eu gostaria mais, eu passei da adolescência à crise da meia-idade. Quer dizer, eu fiquei um tempo sentado no limbo (não mais adolescente, mas sem se sentir adulto ainda). Vai ver é assim mesmo que funciona, só que eu condensei as coisas.
domingo, julho 04, 2004
quarta-feira, junho 23, 2004
"Só se arrependa do que não fez". Esta frase expressa bem a predisposição ao hedonismo da sociedade contemporânea. Mas é meio idiota porque quando você faz alguma coisa, tem um monte de outras que deixou de fazer. Então sempre sobrariam muitos motivos para arrependimento. Melhor simplificar. Arrependa-se quando bem entender.
domingo, junho 06, 2004
Pessoas bonitas para pessoas bonitas
Pessoas desleixadas para pessoas que não ligam para aparências
Pessoas feias para pessoas feias
Pessoas inteligentes para pessoas inteligentes
Pessoas alegres para pessoas alegres
Pessoas tristes para aquelas que gostam de ajudar
Pessoas de falar para pessoas de falar
Pessoas de olhar para pessoas de olhar
Pessoas de lamber para pessoas de lamber
Um mundo tão perfeitinho
E eu pra ninguém e ninguém pra mim
Esse textinho Maria Flor encontrou em um caderno velho da época do colégio. Ela riu da menina ingênua que escreveu. Mas naquela época o mundo realmente lhe parecia perfeitinho, e isso a angustiava. Hoje ela sabe que não é tudo exatamente assim. Porém, poderia repetir a última frase, mas sem nenhum tipo de angustia. Não que fosse feliz, mas se bastava.
domingo, maio 30, 2004
Maria Flor voltou para casa, depois de rodar o mundo.
Não fez como Dorothy, não era o caso de não haver lugar melhor do que o lar.
Ela me ligou, disse que não precisava me ver, mas gostaria muito.
Sei que todos pensam que ela me deve desculpas por ter me deixado depois daquele trauma.
Mas se não fosse a cadeira-de-rodas, eu teria feito o mesmo.
sábado, maio 22, 2004
Essa frase dita, recentemente, pelo cineasta bósnio Emir Kusturica pode parecer estranha e descontextualizada. Mas trata-se de uma ótima análise da relação atual entre o cinema e a vida real. Na década de 1940 foi idealizada a utopia do cinema-total, uma cinematografia capaz de projetar qualquer tipo de estímulo sensorial, não apenas visuais e auditivos, veiculada em qualquer lugar. O crítico francês André Bazin afirmou que o mito diretor da invenção do cinema era o realismo integral, a capacidade da representação tornar-se "perfeita". Esta idéia chegou a ser desenvolvida, não de um ponto de vista material, mas de um ponto de vista estético e comportamental."Fico espantado pelo fato de o cinema não ser maior do que a vida, como era em Hollywood. Aparentemente, a vida se tornou maior que o cinema."
Vários autores se centraram no fato de o cinema ter se tornado tão abrangente no dia a dia das pessoas, mesmo que elas nem fossem às salas de projeção, que a vida teria ficado em segundo plano. O ponto central dessas análises focava justamente na relação entre o cinema hollywoodiano e a sociedade americana. Mas parece realmente que a vida está dando o troco. Uma ação sintomática disto tudo foi posta em prática com a premiação maior do Festival de Cannes, a Palma de Ouro, sendo entregue ao cineasta Michael Moore pelo documentário Fahrenheit 9/11, sobre a política externa do governo Bush após os atentados à Nova York.
Não é tanto o fato de o mais respeitado festival de cinema do mundo conceder a glória a um filme documentário tão atual, nem de achar que o filme de Moore é um cinema menor, próximo a uma reportagem (eu nem vi o filme para dizer qualquer coisa), mas é, antes, a questão de que a realidade vem pregando peças naqueles que a esqueceram ou ignoraram, derrubando a sensação de que a vida era regida pela lógica de um filme. E o onze de setembro é uma desses atos, talvez o maior deles, da vida mostrando-se monumental, irreversivelmente maior do que qualquer imagem criada pelo cinema. Quantas pessoas não levaram tempo para cair em si sobre a natureza daquelas imagens exibidas ao vivo pela TV e depois disso puderam ter uma dimensão mais acertada do incidente? É isto e a violência que não consegue mais ficar escondida por trás dos cartões postais do Rio de Janeiro, e a difícil construção de imagens vitoriosas no Iraque, e tantas outras coisas que não se escondem mais pelas aparências.
Hoje, com tantas bugigangas digitais de captura de imagem, fica realmente difícil da vida se dissociar das suas representações imagéticas. Mas isso não significa uma derrota da realidade, nem a aplicação da tese do cinema-total. Pelo contrário, ao mostrar, ensinar e dar a possibilidade de qualquer pessoa fazer representações imagéticas e difundi-las das mais várias formas, não é o cinema que vai tomando canto de todos os níveis da vida, mas é esta que termina por dominá-lo e torná-lo apenas mais um dos seus aspectos, usa-o para impor-se sobre ele. Destruindo o sonho de um cinema maior que a vida.
sexta-feira, maio 21, 2004
terça-feira, abril 27, 2004
Coisas recentes:
Kill Bill, vol. 1: Cinema vazio, o que é bastante compreensível. Pessoas que foram comprar ingressos de tarde. Amarelo. Filme divertido, bem feito, belo e aquela coisa de realidade paralela. Lucy Liu. Uma, óbvio.
Desire: Bob Dylan. Disco me encontra. Promoção. Preciso ouvir mais.
Samambaia: Música instrumental, brasileira. Maria Rita, a música. Cesar Camargo. Hélio Delmiro. Clássicos do cancioneiro popular. Alguma improvisações inspiradas. 100 anos da Odeon. Charles Gavin. Barato.
Blood Sunday: Insane in the brain. Músicas legais. Hip Hop Hemp, meio fora de moda. Uma das bandas mais interessantes. Copiada a exaustão. Só ouvi uma vez.
A madrugada dos mortos: Não esperava ver tão cedo. Nojento, mas nem tanto. Dá sustos e é repgnante, mas medo mesmo, já passou a época. Final desconcertante, mas normal. Senso de humor. Sarah Polley. Johnny Cash. Jim Carrol.
Um clarão nas trevas: Tradução de título das antigas. Nome de música nada a ver. Equema peça de teatro: poucos cenários, poucos personagens e muito dialogo. Audrey cega e sensitiva (a única explicação). Alan Arkin bem malvado.
Três homens em conflito: Sempre bom rever. Trilha maravilhosa, já virou cliche do gênero. Filme épico durante a guerra civil americana. Leone, claro. Clint Eastwood. O melhor título. The Good. The Bad and The Ugly.
Gripe: Cabçea doendo. Dificuldade de respirar. Olhos lacrimegando. Dormir, mal. Catarro. Esgotado.
terça-feira, abril 20, 2004
quinta-feira, março 18, 2004
Às vezes dá a impressão de que Norah Jones poderia ter sido minha colega de turma no 2º grau (hoje conhecido como ensino médio). E acho que é por isso que gosto dela. Tipo, não há nada de novidade, nem ela é lá grande cantora ou pianista. Mas cumpre bem sua função.
Ela é mais nova do que eu, por isso não poderia ser exatamente minha colega de turma. Só que tem aqueles seres da época do colégio sobre os quais se não sabe muito a respeito. Vai ver eu digo isso por ter estudado num colégio como o Contato onde cada turma tem uns cem alunos. Cem adolescentes com hormônios em ponto de ebulição, gente extremamente diferente, que, mesmo Recife sendo pequena, não se encontrariam fora do colégio ou qualquer atividade referente a isso. Por exemplo, tinha essa menina que sentava atrás, onde eu também me sentava e outro cara que era fã de Bruce Springsteen; nós três costumávamos conversar entre uma aula e outra, quando não se tinha intervalo, e conversávamos até mesmo durante as aulas. Mas fora da sala, no pátio do colégio era cada um pro seu lado. No máximo a gente acenava de longe e só se falava quando estávamos voltando para a sala. Não tínhamos nada a ver um com o outro, nunca peguei o telefone de nenhum dos dois, nem eles pegaram o meu. Não sei onde eles estão nesse momento.
Então é isso, acho que Norah Jones podia ser um desses seres que se sentavam no fundo da sala junto comigo. Essa menina legal, que conversa sobre amenidades com você de vez em quando. Talvez ela comentasse sobre o interesse dela por country e eu falasse que tinha ouvido Chet Baker pela primeira vez. E depois da aula, era só. Pois é, aquela garota bonita, talentosa, interessada e esforçada e depois da aula você nem lembra dela direito. Na segunda você pergunta o que ela fez no final de semana e nem sem liga que a resposta é praticamente a mesma da pergunta que fez na sexta sobre como ia ser o final de semana. E ela faz o mesmo com você, e os dois olham as anotações que o outro fez da aula e tal... talvez uma conversa sobre caligrafia, trechos de um filme que assistiu, aquela música que ouviu, etc. Mas é isso. Você escuta Norah Jones, acha massa e tal, dá-lhe os parabéns e depois, é só. Só na segunda-feira.
quarta-feira, março 17, 2004
.::Homem branco heterossexual::.
Uma vez usei essa categorização em uma discussão sobre o movimento de minorias, movimentos de afirmação, defesa e inserção de minorias. Estes movimentos surgem devido à opressão que certos segmentos sofrem pelo sistema e coisa e tal. O uso que fiz foi uma forma irônica e jocosa de chamar atenção para o fato de que discutir minorias normalmente é discutir questões de gênero e racismo. Então, sempre há vozes que se levantam em defesa ao direito das mulheres, ao reconhecimento do negro, ao orgulho gay, no entanto o homem branco heterossexual, vai se tornando uma minoria, pelo menos no que diz respeito à representatividade e, até mesmo, ao direito a esta. Mas claro, nunca tive intenção de levantar de fato a bandeira de um movimento de afirmação do homem branco heterossexual, era só uma forma de fazer uma provocação. Uma tentativa de chamar atenção mais para a forma do que para o conteúdo.
Não foram poucas vezes que fui indagado, muitas delas com um certo tom de violência, o que eu estava pretendendo com aquilo. Normal seria tais indagações se não demonstrassem uma certa preocupação de eu estar sendo machista, racista e homofóbico. Tudo bem, não se pode esperar que todo mundo tenha o mesmo senso de humor ou que entendam a ironia. Mas a questão é: não seria esse prejulgamento de um movimento de afirmação de uma suposta minoria como um posicionamento radical um reflexo de que, no senso comum, todos esses movimentos de minoria têm um quê de radicalismo?
Claro, se os homens brancos heterossexuais são os grandes culpados por controlarem um sistema que oprime mulheres, negros e homossexuais, um movimento de afirmação provoca medo por causa da desigualdade de poder entre as partes. E realmente seria algo a ser reprimido duramente em sua origem alguma espécie de levante dessa parte poderosa para subjugar aqueles já tão oprimidos. E atribuo a isso as reações tão passionais que recebi. Se eu estivesse realmente com intenção de levar as coisas tão longe como muito imaginaram, eu mesmo seria uma dessas vozes agressivas contra mim mesmo.
Mas a questão é mais semiológica do que ideológica. Um movimento de afirmação não deveria ser necessariamente entendido como negação de outros segmentos. Pelo menos não quando se prega a igualdade de direitos, que é a reivindicação básica das minorias. Se estamos em um sistema no qual a opressão do outro é necessária para a manutenção do status quo, então estes movimentos minoritário deveriam se opor ao sistema, no caso de a igualdade de direitos ser realmente o norteador. Só que na prática as coisas são bem diferentes. A motivação aqui não é questionar o estado das coisas mais do que é buscar uma inserção. Não é se opor, mas buscar uma parte. E é com essa visão, que pode não ser muito racionalizada por todos, mas certamente é sentida, que um movimento de afirmação de minoria significa necessariamente negação de algum outro que vai surgir.
Achei por certo fazer tais esclarecimentos antes de ser acusado de racista e retrogrado e talvez até vá para cadeia por causa disso. Mas também tenho evitado fazer qualquer comentário irônico do tipo, porque vai que eu sou mal interpretado e algum branquelo radicalzinho de merda crie realmente um movimento baseado nos meus supostos posicionamentos. Por sinal, o discurso desses movimentos de neo-nazimos ou correlatos tem uma certa insatisfação e mania de perseguição bem ao gosto das minorias, digamos, mais legitimas citadas antes.
domingo, março 14, 2004
sábado, março 06, 2004
A força avassaladora, totalmente desnorteante, da contradição. Entendo agora que cada fato é anulado pelo fato seguinte, que cada pensamento engendra um pensamento oposto e equivalente. Impossível dizer qualquer coisa sem alguma ressalva: ele era bom, ou ele era mau; ele era isso, ou era aquilo. Todas são verdadeiras. Às vezes tenho a sensação de que estou escrevendo sobre três ou quatro homens diferentes, bem distintos, cada um deles representa um desmentido de todos os outros. Fragmentos. Ou a anedota como forma de conhecimento.Paul Auster, A invenção da Solidão
Antes era apenas figurativo. Não tinha o que escrever então desenhava com caracteres, mesmo porque nunca foi de desenhar bem. Agora não é que tenha algo para escrever. Talvez nunca se tenha que escrever. Mas se escreve, de qualquer forma. E quando se descobre como escrever pode dar algum poder, que pode mudar muita coisa ao redor, então escreve em busca da beleza, escreve para tornar tudo mais suportável, escreve para machucar - a si e aos outros -, para ser diferente, para seduzir e conquistar. Embora nem sempre faça isso intencionalmente, nunca se esquiva da responsabilidade.
E quando precisa escrever para desabafar, para não explodir? Escrever fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, fodam-se, repetidas vezes pode parecer justo. Pode até parecer que adianta de alguma coisa. Não ter que se preocupar com a lógica de tudo. Apenas ir colocando tudo para fora enquanto vem de sabe-se lá onde.
Talvez se desesperar e pedir por ajuda a qualquer um. Talvez se irritar. Talvez encher de ironia. Talvez fingir felicidade. Talvez non-sense. Talvez tentar ser apenas analítico para ressaltar a frieza que todos acreditam ser o ponto característico.
quinta-feira, fevereiro 26, 2004
domingo, fevereiro 15, 2004
Se soubesse que você não gostava de mim, não teria vindo a sua festa crente de que era bem-vindo; não aceitaria sua carona que era apenas convenção social; não teria enviado um cartão de natal como é de costume entre amigos. Se não tivesse descoberto a verdade sobre sua opinião a meu respeito, certamente seria muito mais difícil executar essa tarefa da qual fui incumbido três dias atrás.
domingo, fevereiro 01, 2004
Gotas d’água pingando do sifão desajustado para dentro de um balde que não resolve o problema, mas evita que o banheiro fique todo molhado. E, sem nenhuma ligação aparente com isso, ela pensa: “só a semiologia seria capaz de destruir o mundo”.
Depois de escrever o trecho, o experiente escritor, pára por um momento, refletindo, e diz em voz alta: “nunca tinha escrito a palavra sifão”.
Então eu concluo: “a gente só lembra do sifão quando está pingado”. Percebo que não havia chovido, coisa rara apesar de ser alto verão.
Do outro lado, alguém lendo minhas reflexões, lembra a ela do debate espaço x tempo.
sábado, janeiro 31, 2004
E para não fugir a regra, senti uma certa obrigação de escrever sobre Dogville. E acho que não se dá pra escapar mesmo disso, porque o filme deve ser discutido, uma discussão que vá além de dizer que Von Trier é isso ou aquilo (mestre, agitador, picareta, arrogante, inovador), que o filme é uma obra-prima, ou mais um embuste criado pelo hype. Nesse sentido fui procurar mais informações, depois de ver o filme, para poder escrever sobre ele. Pois bem, quase tudo o que eu tive vontade de apontar, as coisas que me chamaram atenção no filme estão mais ou menos explicada em um texto do próprio Von Trier no site oficial do filme. Então, já que está tudo lá, devo escrever outra coisa.
O fato de o próprio Von Trier dizer que o filme surgiu, entre outros motivos, por causa das críticas que recebeu, na época de Dançando no Escuro, por fazer um filme sobre os Estados Unidos sem nunca ter estado lá, chama atenção para um aspecto: o filme foi desenvolvido não em cima de uma “experiência imediata” e sim sobre o imaginário e as representações do que vem a ser os Estados Unidos. A possibilidade de trabalhar em cima de músicas e fotografias (como é feito neste filme) para se criar uma visão própria sobre a sociedade americana. Toqueville precisou viajar pelos EUA para escrever suas impressões, Von Trier, não. Em Elogio ao amor, de Goddard, acusa-se os americanos de se apropriar das histórias dos outros para criarem mitos (a crítica maior de Goddard é com relação ao holocausto), pois eles mesmos não teriam uma história. Parece-me que Von Trier fez exatamente o contrário ao se apoderar de um momento histórico como a grande depressão. Estaria o cinema europeu está partindo para o contra-ataque?
Nunca fui para os Estados Unidos, nunca estudei a fundo sobre a depressão. O que sei sobre essa sociedade vi, a maior parte, nos filmes. Mas posso dizer que Von Trier fez um bom trabalho, mesmo que tenha sido para mostrar suas próprias fantasias.